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Bizarro
20/04/2017

'O vovô está dormindo': o povo que vive com parentes mortos em casa

Foto: Reprodução

Em Toraja, passam-se meses e anos até funeral acontecer; nesse período, famílias guardam corpos em casa e cuidam deles como se estivessem apenas doentes

Pouca gente gosta de falar ou pensar sobre a morte, mas, em uma região da Indonésia, os mortos participam do dia a dia da população.


Um cheiro forte de café inebria o ar dentro de uma sala de estar repleta de painéis de madeira.

 

Vozes ecoam dentro do espaço sem móveis e com apenas alguns quadros pendurados na parede.

 

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É um ambiente intimista e acolhedor.

 

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"Como vai seu pai?", pergunta um dos convidados. O humor muda rapidamente.

 

Todos olham para uma cama colorida dentro de um pequeno quarto. 

 

"Ele ainda está doente", responde calmamente a filha dele, Mamak Lisa.


Sorrindo, ela se levanta e caminha em direção ao idoso, e o movimenta gentilmente.


"Pai, temos alguns visitantes para você.

 

Espero que você não fique zangado ou se sinta desconfortável", acrescenta.


Então, ela me convida para entrar no quarto e conhecer Paulo Cirinda.

 

Paulo Cirinda está morto há 12 meses

(Foto: Reprodução)

 

Os meus olhos estão fixados na cama. Paulo Cirinda está completamente imóvel - e é difícil ver seus olhos por trás dos óculos empoeirados.


A pele dele tem um aspecto áspero e cinzento, perfurada por inúmeros buracos, como se tivesse sido comida por insetos.

 

O resto do corpo está coberto por várias camadas de roupas.


De repente, os netos começam a brincar dentro do quarto - e me forçam a encarar a realidade.


"Por que o vovô está sempre dormindo?", um deles me pergunta com uma risada insolente.

 

"Vovô, acorde e vamos comer", outro grita.


"Shhh…parem de importunar o vovô; ele está dormindo", Mamak Lisa agarra os dois. "Vocês vão deixá-lo zangado".


Ocorre que Paulo Cirinda morreu há 12 anos - mas sua família ainda crê que, de alguma maneira, ele esteja vivo.


Para quem vê de fora, a ideia de manter o corpo de um homem morto em casa parece grotesca.

 

Família ainda acha que Paulo Cirinda está vivo

(Foto: Reprodução)

 

Mas é uma tradição secular para mais de 1 milhão de pessoas que vivem nessa parte do mundo - a região de Tana Toraja, na ilha de Sulawesi, na Indonésia.


Aqui, os mortos estão muito presentes na vida dos vivos.


Depois que alguém morre, passam-se meses, anos, até que o funeral ocorra.

 

Nesse ínterim, as famílias guardam os corpos em casa e cuidam deles como se estivessem apenas doentes.


Isso inclui levar comida, bebidas e cigarros duas vezes por dia para eles.


Os corpos são limpos e suas roupas trocadas regularmente.


Os mortos têm até um recipiente no canto do quarto para fazer "suas necessidades".


Além disso, nunca são deixados sozinhos e as luzes permanecem acesas quando anoitece.


As famílias temem que, se não cuidarem dos corpos de forma correta, os espíritos podem voltar para assombrá-las.


Tradicionalmente, folhas e ervas especiais são esfregadas no corpo dos mortos para preservá-los.

 

Mas, hoje em dia, muitos usam formol.


O líquido deixa um odor forte no quarto.


Acariciando carinhosamente as maçãs do rosto de seu pai, Mamak Lisa diz que ainda sente uma forte ligação emocional com ele.

 

Nas várias cavernas da montanhosa região, são encontrados todos os

tipos de ossos e esqueletos

(Foto: Reprodução)

 

"Embora sejamos todos cristãos", explica ela, com a mão sobre o peito, "nossos parentes normalmente vem visitá-lo ou me telefonam para saber como ele está, porque acreditamos que ele pode nos ouvir e ainda está ao redor de nós", acrescenta.


Diferentemente do que eu imaginaria, não me sinto desconfortável com a presença do morto.


Meu próprio pai faleceu há alguns anos, e foi enterrado quase que imediatamente - antes de eu ter tempo de digerir a notícia do que havia acontecido.

 

Ainda não consegui lidar com o meu sofrimento.


Para a minha surpresa, Lisa me diz que ter o pai dela em casa a ajudou a superar o luto.


Funeral nababesco


Durante suas vidas, os Torajans trabalham duro para acumular riqueza.

 

Mas, em vez de viver uma vida luxuosa, eles economizam para uma partida gloriosa.

 

Cirinda vai permanecer ali até que sua família esteja pronta para se despedir dele - emocionalmente e financeiramente.

 

Outra tradição da região são os tau taus, imagens de homens e mulheres

que morreram cuidadosamente esculpidas na madeira e

decoradas com objetos pessoais  (Foto: Reprodução)

 

Seu corpo deixará finalmente a casa da família em meio a um funeral suntuoso, em uma grande procissão em torno do vilarejo.


Segundo a crença dos Torajans, os funerais são eventos nos quais a alma finalmente deixa a Terra e começa sua longa e difícil jornada para a Pooya.


A Pooya consiste no estágio final da vida após a morte.

 

É ali que a alma reencarna.

 

Os búfalos carregariam as almas para esse local e esse é o motivo pelo qual as famílias sacrificam o maior número possível desses animais, para facilitar a jornada para os mortos.


Poupança


Os Torajans passam a maior parte das vidas economizando dinheiro para esses rituais.


Com uma poupança gorda, eles convidam amigos e parentes.

 

Quanto mais rico o morto tiver sido em vida, maior e mais elaboradas serão essas cerimônias.

 

Ritual do ma'nene consiste em desenterrar corpos a cada dois anos

(Foto: Reprodução)

 

O funeral de que participei era de um homem chamado Dengen, que morreu há mais de um ano.

 

Dengen era um homem rico e poderoso.

 

Seu funeral durou mais de quatro dias, durante os quais 24 búfalos e centenas de porcos foram sacrificados.


Em seguida, sua carne foi distribuída entre os convidados, enquanto eles comemoravam a vida de Dengen e sua reencarnação.

 

O filho dele me contou que o funeral custou cerca de US$ 50 mil (R$ 155,6 mil) - ou mais de dez vezes o salário médio anual de um morador da região.


Não conseguia parar de comparar esse funeral a céu aberto, barulhento e cheio de opulência e cor - repleto de dança, música, risos e, claro, sangue ─ ao do meu pai.



Para o meu pai, organizamos uma pequena cerimônia intimista com a família em um local pequeno, silencioso e escuro.


Tenho uma recordação muito triste daquele dia - provavelmente diferente da que a família de Dengen terá.

 

Corpos são conservados com formol

(Foto: Reprodução)

 

Enterro


Os Torajans são raramente enterrados debaixo da terra. Em vez disso, eles são enterrados em túmulos da família ou colocados dentro ou fora de cavernas - como a região é montanhosa, há muitas delas.


Esses locais abrigam vários corpos e caixões.

 

Não raro, é possível se deparar com esqueletos e ossos ao relento.

 

Amigos e família trazem presentes para os mortos - frequentemente dinheiro e cigarros.


Em uma tradição anterior ao surgimento da fotografia, as imagens de homens e mulheres nobres são cuidadosamente esculpidas na madeira.


Conhecidas como tau tau, essas esculturas usam roupas, joias e até cabelo dos mortos.

 

Em média, custam cerca de US$ 1 mil (R$ 3,1 mil) para serem produzidas.


Ma'nene


Mas esse enterro não significa um adeus.

 

A relação física entre os mortos e os vivos continua por muito tempo, por meio de um ritual conhecido como ma'nene, ou "purificação dos corpos".

 

A cada dois anos, os caixões são retirados dos túmulos e abertos para um grande encontro com os mortos.

 

BBC Brasil

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