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Mulher
25/11/2018

'Viagra feminino': a polêmica história da pílula rosa. CONFIRA

Foto: Reprodução

Ela promete fazer pelas mulheres o que o Viagra fez pelos homens. Mas não funciona direito – e tem um efeito colateral perigoso

Depois de quatro anos testando o citrato de sildenafila, uma droga para tratar pressão alta e angina (dores no peito), a Pfizer já se preparava para jogar a toalha.

 

O remédio não funcionava, e os executivos da empresa deram um ultimato aos pesquisadores: ou eles provavam a eficácia da droga, ou o projeto seria encerrado. Alguns dias depois, um teste revelou algo intrigante. Ok, o remédio não fazia efeito sobre o coração – mas, por algum motivo, os homens que o tomavam tinham mais ereções durante a noite.


Estava descoberto o verdadeiro papel da sildenafila: tratar a disfunção erétil. Nascia ali o Viagra, que chegaria ao mercado quase uma década depois, em 1998. A Pfizer faturou mais de US$ 20 bilhões com o remédio, e desde então a indústria farmacêutica persegue uma versão feminina da droga – pois ela poderia gerar lucros até maiores, já que disfunções sexuais são mais comuns entre as mulheres (segundo a Sociedade Internacional de Medicina Sexual, 30% delas relatam algum problema do tipo, contra 15% dos homens).


Esse remédio existe. Chama-se Addyi, e já está à venda nos Estados Unidos. Trata-se de uma pílula rosa, que tem como princípio ativo a flibanserina e é o mais próximo que a ciência chegou de um “Viagra feminino” – sua história é parecida, inclusive. No começo da década de 2000, a farmacêutica alemã Boehringer Ingelheim estudou a substância para uso como antidepressivo, mas as pesquisas mostraram que ela era ineficaz. Até que, em 2006, um grupo de voluntárias relatou melhora na libido.

 

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Isso também aconteceu naquelas que sofriam de transtorno do desejo sexual hipoativo (TDSH), um distúrbio que torna a mulher incapaz de sentir excitação. Em 2010, a Boehringer tentou lançar a flibanserina, mas a FDA (Food & Drug Administration, agência do governo americano que regula alimentos e remédios) vetou, alegando que a ação do medicamento era fraca e não justificava os efeitos colaterais dele.


Os alemães desistiram da flibanserina e cederam os direitos de fabricação para o laboratório americano Sprout Pharmaceuticals, criado só para desenvolver a pílula rosa. Em troca, a Boehringer ganharia participação nos futuros lucros do remédio.

 

Em 2013, a Sprout tentou mais uma vez lançar a droga, e a FDA novamente vetou. Essa história só mudaria em 2015, quando a FDA começou a ser pressionada por todos os lados: indústria farmacêutica, instituições médicas, grupos de pacientes e até deputadas do Congresso americano começaram a criticar a proibição. Mais de 60 mil pessoas assinaram uma petição pela liberação da flibanserina, e a agência finalmente cedeu.


Dois dias depois, a Sprout foi vendida para a farmacêutica canadense Valeant por US$ 1 bilhão. As expectativas eram altíssimas. Mas o Addyi foi um baita fracasso: nos dois primeiros anos, vendeu apenas US$ 10 milhões, cem vezes menos do que o previsto. Um dos motivos era seu preço, US$ 800 por mês. No final de 2017, a Sprout processou os canadenses, e acabou recuperando os direitos sobre o remédio. E, em junho deste ano, relançou o Addyi por um preço bem menor, US$ 99 mensais (ou US$ 25, se o plano de saúde da pessoa cobrir).


Outra mudança é a “teleconsulta”: após se cadastrar no site do próprio Addyi e responder a um questionário, a paciente recebe a ligação de um médico. A partir dessa conversa, que é cobrada (US$ 75), o especialista faz o diagnóstico e, se identificar um quadro de TDSH, prescreve o Addyi, que a paciente recebe em casa. Como 10% das mulheres têm essa síndrome, a expectativa do fabricante é que o remédio se torne um megassucesso de vendas.


É cedo para dizer se isso de fato vai acontecer. Mas a volta do “Viagra feminino” já ressuscitou todas as polêmicas que o envolvem. A começar pela mais básica de todas: afinal, ele funciona?


Central do prazer

 

Afinal, ele funciona?


Para entender o que a flibanserina faz no organismo de mulheres com baixa libido, é preciso entender os mecanismos por trás do prazer feminino. E, não, isso não diz respeito apenas ao clitóris – a coisa rola no cérebro, e envolve vários neurotransmissores. Quando a mulher sente tesão, é porque a dopamina entrou em ação e, junto com a noradrenalina e os hormônios estrogênio e testosterona, deu início à excitação.


Isso acontece no sistema nervoso central e se reflete no corpo todo: a frequência cardíaca e a pressão arterial aumentam, os mamilos ficam eretos, a vagina ganha lubrificação e (agora sim) o clitóris dilata e se torna mais sensível. Conforme o sexo ou a masturbação avança, essas reações se intensificam e pode-se chegar ao ápice da excitação, o orgasmo. Quando ele acontece, há liberação de serotonina, que tem a função de “apagar o incêndio” e atenuar a tensão – daí a sensação de relaxamento depois de gozar.


Pílula rosa A ausência de desejo atinge 10% das mulheres e pode aparecer em qualquer idade.

 


A ausência de desejo atinge 10% das

mulheres e pode aparecer em qualquer idade


Nas mulheres com TDSH, nenhum estímulo físico ou psicológico é capaz de desencadear esse processo. O Addyi tenta resolver isso aumentando a liberação de dopamina e noradrenalina, e diminuindo a produção de serotonina. Então, além de disparar o desejo, ele prolonga o estado de excitação. É um mecanismo bem diferente do Viagra, um vasodilatador que age diretamente no pênis para estimular a ereção.


Se o corpo humano fosse uma casa, o problema dos homens seria um cano furado na pia – e o das mulheres, um fio desconectado no quadro geral de energia. O Viagra seria o técnico em hidráulica que vai consertar o encanamento, e o Addyi, a pessoa que resolve a pane elétrica.


O Viagra deve ser ingerido meia hora antes da relação sexual; já o Addyi tem de ser tomado todos os dias. Os efeitos começam a aparecer após quatro semanas de uso (se o remédio não apresentar resultados após oito semanas, não fará efeito na paciente). Essas não são as únicas diferenças entre os dois. Os efeitos colaterais mais comuns do Viagra – rubor, congestão nasal e dor de cabeça, por exemplo – nem se comparam aos da flibanserina.


Estudos clínicos feitos com mulheres que tomaram o Addyi revelaram que 11% apresentam tontura ou sonolência, 10% têm náusea, 9% sentem fadiga, 5% desenvolvem insônia e 2% notam a boca seca. Ansiolíticos, antidepressivos, antibióticos e até anticoncepcionais não podem ser tomados junto com a droga, por aumentarem o risco de reações indesejadas. Mas o mais preocupante é a interação entre a flibanserina e bebidas alcoólicas.


Um estudo feito pela Universidade da Califórnia constatou que, se a mulher consumir Addyi e 20 gramas de álcool (o equivalente a uma taça e meia de vinho), tem 25% de chance de ficar com pressão baixa – em alguns casos, chegando a desmaiar. “A relação custo-benefício [do remédio] não parece muito positiva”, afirma a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do programa de estudos em sexualidade (Prosex), da USP.


Foi isso o que concluiu uma análise publicada em 2016 no Jama, o jornal científico mais importante dos EUA. Os autores revisaram oito estudos, que incluíam quase 6 mil mulheres que tinham o transtorno do desejo sexual hipoativo e tomaram a pílula rosa. Eles mediram a eficácia do tratamento pelo número de relações sexuais satisfatórias que as voluntárias declararam ter. O efeito foi modesto. Quem tomou o remédio fez sexo apenas 1,5 vez a mais, em média, por mês.


Mesmo que a ciência uma dia descubra como turbinar a libido feminina, é provável que um remédio sozinho não dê conta do recado. Entre as mulheres, questões emocionais impactam diretamente na vontade de transar. E não é mimimi. A explicação está, novamente, no cérebro.

 

“Os mesmos neurotransmissores que agem no desejo sexual e no orgasmo também atuam em áreas ligadas a dor, ansiedade e estresse”, explica a ginecologista e obstetra Fabiene Bernardes Castro Vale, chefe do departamento de sexologia da Faculdade de Medicina da UFMG. A fase do ciclo menstrual é outro fator que se deve levar em conta, já que o tesão aumenta ou diminui ao longo do mês, de acordo com o sobe e desce dos hormônios.


Por isso muitos especialistas e pacientes foram contra a aprovação da flibanserina nos Estados Unidos. O argumento era que a decisão contribuiria para “medicalizar” a sexualidade feminina, transformando em problema algo que não deveria ser.

 

“Há situações em que o remédio não é a solução. Se a mulher não ama mais o parceiro, está estressada ou deprimida, o efeito será nulo”, pondera a psicóloga Maria Claudia Lordello, do ambulatório de sexualidade feminina da Unifesp. O importante é buscar a verdadeira origem da falta de desejo – que pode ser tanto disfunções sexuais como o TDSH quanto problemas como ansiedade, diabetes, pressão alta ou até distúrbios na tireoide.

 


Reações mais comuns à pílula rosa: tontura, sonolência, náusea,

fadiga e insônia (Fotos: Tomás Arthuzzi/Superinteressante)


Mas pode ser que, num futuro próximo, as mulheres que sofrem de TDSH ganhem novos aliados. Um dos mais promissores é a bremelanotida, que também atua no sistema nervoso central. A diferença é que, em vez de agir sobre neurotransmissores, ela aumenta o nível da melanocortina, um hormônio relacionado à libido.


O laboratório americano Palatin Technologies está desenvolvendo um medicamento com esse princípio ativo e obtendo bons resultados – a previsão é que a FDA dê um parecer sobre a droga no primeiro semestre de 2019. Ao contrário da flibanserina, ela não precisa ser usada todo dia; só antes de transar. Mas também tem um grande porém: não pode ser tomada por via oral. Precisa ser injetada, com uma espécie de caneta (como as usadas para aplicar insulina).


Outra possibilidade é a Tribulus terrestris, uma erva que promete aumentar a produção de testosterona (e, consequentemente, a libido) em mulheres. “A resposta é positiva tanto em pacientes jovens quanto naquelas que já passaram pela menopausa”, diz Fabiene Vale, da UFMG, que estudou a planta. O produto é vendido como fitoterápico, ou seja, sem receita. Mas jamais deve ser tomado sem orientação médica – e também não é uma panaceia, pois níveis cronicamente elevados de testosterona podem causar problemas, como nascimento de pelos e engrossamento da voz.


No Brasil, nenhum medicamento para tratar a falta de libido nas mulheres foi aprovado até hoje, e não há previsão de que isso aconteça num futuro próximo. Dá para entender. A história da flibanserina prova que a ciência ainda tem um longo caminho a percorrer antes de encontrar a fórmula perfeita para garantir o prazer feminino sem ameaçar a saúde das mulheres.

 

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Desejo no divã

 

Ausência de tesão pode está relacionada a

fatores psicológicos (Foto: Reprodução)


Muitas vezes, a ausência de tesão está relacionada a fatores psicológicos. As principais ferramentas para tratá-los são a terapia cognitivo comportamental e a psicanálise.


Na primeira, o terapeuta dá orientações para a paciente e pode propor exercícios de autoconhecimento ou entrosamento do casal, por exemplo. Já na psicanálise o especialista intervém menos e ajuda a mulher a buscar em situações da infância e da adolescência o que pode estar provocando a falta de excitação. 

 

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