28 de Marco de 2024 - Ano 10
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27/04/2015

Bernardo Cabral sobre Dilma Rousseff: “Uma liderança jamais se afirma pela omissão”

Foto: Divulgação

Bernardo Cabral: "Sempre entendi que uma liderança jamais se afirma pela omissão"

Ex-senador, deputado federal e ex-ministro da Justiça, o amazonense Bernardo Cabral é um dos monstros sagrados da política brasileira. Cassado pela Ditadura Militar de 1964, que combateu até o fim, ele falou ao PORTAL DO ZACARIAS sobre a atual crise brasileira. Critica o governo Dilma e diz não acreditar em avanços na reforma política que se discute no Congresso Nacional.

 

Por J Taketomi, editor de Política do PORTAL DO ZACARIAS

 

PORTAL DO ZACARIAS - Recentemente, em aula magna na Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas, o senhor disse que a atual crise moral brasileira é a maior já vivida pelo País. Na sua opinião, o que é essa crise?

 

Bernardo Cabral - A crise moral brasileira está entrelaçada com os desejos inconfessáveis que não se coadunam com a cidadania. É que os tentáculos da corrupção conseguiram atingir os três Poderes, fazendo com que alguns dos seus integrantes, como noticia amplamente a imprensa, sejam convivas do triste banquete da dilapidação dos dinheiros públicos, mas precisamente do erário. O que se vê e comprova (Mensalão, Petrobrás, Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) são pessoas desprovidas de valores morais, sem a mínima seriedade nem respeito aos princípios éticos e da moralidade – mas com o máximo de cinismo – unidas a grupos insensíveis ao interesse público. Essa a razão de entender que é a maior crise moral já vivida pelo país, o que torna inadiável que a sociedade demonstre a sua força ao clamar contra essa postura criminosa (como vem fazendo o juiz Moro e sua equipe) de apropriação dos dinheiros públicos, além de solapar as reservas cívicas do povo e ultrajar os que se preocupam com o engrandecimento da Nação, tornando-se mais do que oportuno fazê-lo antes que a mortalha dessa desenfreada corrupção atinja os brios da soberania nacional.

 

Portal - Em 1964, houve uma quebra da ordem pública em função de uma aguda crise entre as instituições. Hoje, o quadro é idêntico? Os poderes constituídos estão em confronto?

 

B Cabral - No primeiro semestre de 1964, sob os impulsos de um movimento popular, fruto ou não de equívoco, as Forças Armadas, com o apoio, manipulado ou não, de significativa parcela da classe política, parlamentares, governadores e prefeitos, destituíram o presidente da República e operaram lesões na ordem politico institucional então vigente por meio dos chamados Atos Institucionais. Não há identidade, portanto, com o quadro atual, uma vez que estão em plena vigência os Poderes Legislativo e Judiciário.


Portal - Em 2013 e neste início de 2015, grandes manifestações agitaram o País, gritando contra a escalada da corrupção e pedindo o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Por que as ruas não estão sendo ouvidas?

 

B Cabral - As ruas estão sendo ouvidas porque o clamor popular, paradoxalmente, acaba por ecoar numa espécie de silêncio. Mas, a meu ver, o silêncio também é o clamor de tudo aquilo que não fala.


Portal - Há risco de as manifestações, por enquanto pacíficas, se radicalizarem e passarem ao uso da violência como instrumento de luta e pressão política sobre o governo Dilma e o Congresso Nacional?

 

“Não existe parlamentarismo desta ou daquela cor. Ele é um sistema de

governo e como tal deve ser analisado. Infelizmente esse foi o grande

equívoco de parte de alguns constituintes não tê-lo aprovado”

 

B Cabral - O risco de radicalização sempre será provável, mas não creio que possível, uma vez que a situação atual é altamente crítica e não se pode perder de vista que conseguimos conquistar a volta ao Estado de Direito após sacrifício de muitos e a morte de alguns.

 

Portal - O ex-presidente FHC disse que Dilma, ao entregar o comando das articulações políticas do seu governo a Michel Temer, comete um grave erro, transferindo poder a alguém que pensa diferente dela. O senhor concorda? Temer seria capaz de organizar um golpe contra Dilma?

 

B Cabral - Não creio que o Temer seja capaz de organizar, articular ou mesmo concordar com um golpe contra Dilma, mas que ela cometeu um grave erro ao se omitir no comando político não tenho a menor dúvida. Sempre entendi que uma liderança jamais se afirma pela omissão.

 

Portal - A revista Veja afirma que o Brasil vive o “parlamentarismo branco”.  Isso é verdade?

 

B Cabral - Não existe parlamentarismo desta ou daquela cor. Ele é um sistema de governo e como tal deve ser analisado. Infelizmente esse foi o grande equívoco de parte de alguns constituintes não tê-lo aprovado. No meu entender o melhor seria realizar a Constituição, tarefa superior pela qual são responsáveis principais os agentes políticos dos três Poderes da República: os Congressistas, porque lhes cabe o dever primário de complementar e integrar o texto da Constituição; os Magistrados nacionais, especialmente os Ministros do Supremo Tribunal Federal, uma vez que muitos dispositivos da Constituição são imediata e diretamente aplicáveis, mas o Judiciário não lhes explorou as virtualidades; e , finalmente, o próprio Presidente da República que, lamentavelmente, até hoje mantém, qualquer que seja ele, o vezo eventual da hegemonia do Executivo, dando-lhe ares de presidencialismo imperial.

 

Portal - Em 1988 o senhor garantiu as prerrogativas da Zona Franca de Manaus na Constituição do País ? De vez em quando essas prerrogativas são ameaçadas pela guerra fiscal entre os estados brasileiros. Como resolver esse problema?

 

B Cabral - Não é de hoje que essas prerrogativas vêm sendo ameaçadas, mas, felizmente, esbarram sempre nas manifestações do Supremo Tribunal Federal, o qual já consagrou o art. 40 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (Constituição Federal de 1988) como inviolável. A solução do problema é recorrer ao STF.

 

“O problema é que tanto os que estão a favor ou contra (a maioridade penal) estão debatendo a matéria

no campo emocional e não racional. Esse assunto é tão grave que não se pode reduzí-lo a

 um simples sim ou não. Não posso concordar que se trate de cláusula pétrea

com amparo na Constituição Federal de 1988. Isso não existe”

 

Portal - Alguns juristas afirmam que a Constituição Brasileira é analítica demais, o que agrava o cumprimento das leis no País. Uma constituição igual a americana, que é bastante sintética, resolveria tudo?

 

B Cabral - O seu texto é extenso em função da época em que foi elaborado, quando não se pode esquecer o seu instante histórico. É que dele participaram da sua feitura políticos cassados, guerrilheiros, banidos, revanchistas, funcionários públicos demitidos ou aposentados pelos Atos institucionais, etc., etc., e, portanto, contribuíram para esse “tamanho excessivo”. Com a agravante de estarmos saindo de um período obscurantista, sem ter sido possível prever que o Muro de Berlim cairia logo depois, o comunismo seria implodido e a dicotomia que separava o mundo em regime comunista (então U.R.S.S.) e regime capitalista (E.U.A.) daria lugar à globalização da economia. De qualquer sorte, recordo que o texto saído das Comissões Temáticas era composto de 2.500 artigos, os quais foram reduzidos para 245 e, assim mesmo, impossível de produzir um mais enxuto. Sim, a Constituição americana é sintética, mas nos EUA. a Suprema Corte cria, nas suas decisões, direitos constitucionais (já estão em 4 volumes), enquanto no Brasil o STF apenas a interpreta. E mais: a ele compete, precipuamente, a guarda da Constituição.

 

Portal - O senhor é a favor da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos? O que acha do Eca e do Código Penal Brasileiro?

 

B Cabral - O problema é que tanto os que estão a favor ou contra estão debatendo a matéria no campo emocional e não racional. Esse assunto está a merecer uma ampla conscientização do país inteiro, pois é tão grave que não se pode reduzí-lo a um simples sim ou não. Agora, o que não posso concordar é que se trate de cláusula pétrea com amparo na Constituição Federal de 1988. Isso não existe.

 

Portal - O senhor não acha que a reforma política, que se esboça no Congresso Nacional, deveria ser acompanhada de uma reforma partidária? Já não é hora de reformular a burocracia partidária?

 

B Cabral - Sim. É hora de reformular a burocracia partidária. No entanto, é lamentável – e o digo com profundo desânimo – que a reforma política esteja a ser considerada como uma ação com morte antecipada. E ela morrerá, infelizmente, pela falta de compostura moral de uns, de ambição desmedida de muitos e da neutralidade conveniente de quase todos aqueles que deveriam ultimá-la, mas que acaba ela por exibir, às escâncaras, o perfil de certos políticos – salvo as honrosas exceções – portadores de um oceânico despreparo. E mais: precisará ela atender aos primados da democracia, uma vez que os institutos de pesquisa confirmam que 80% dos brasileiros desconfiam do Congresso e menos de 16% o aprovam. Talvez, por essa razão, 1/3 dos eleitores brasileiros acreditem que a democracia poderia funcionar sem o Congresso ou partidos políticos, tornando-se evidente que essa manifestação é altamente perigosa, porque um Parlamento fechado é época de ditadura. Finalmente, será um descomunal prejuízo à nação, se não houver um acordo entre as correntes partidárias e essa reforma se converter em simples fruto da conveniência das forças políticas eventualmente majoritárias.

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