28 de Marco de 2024 - Ano 10
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10/07/2018

‘Barganhas políticas’ ameaçam metas para conter o aquecimento global

Foto: Bruno Kelly / Reuters

Se desmatamento avançar, custos para conter emissões de gases-estufa serão multiplicados

O programa brasileiro de redução do desmatamento já serviu de exemplo para o mundo, mas a crise política instalada em Brasília nos últimos anos coloca os ganhos ambientais em risco e ameaça outros setores da economia nacional, alerta artigo publicado nesta segunda-feira na revista “Nature Climate Change”.

 

Em troca de apoio político, dizem os pesquisadores, o governo está “sinalizando aos donos de terras para aumentarem o desflorestamento”, com a aprovação de medidas que reduzem as exigências para o licenciamento ambiental e suspendem a demarcação de terras indígenas, por exemplo. E para compensar as emissões de gases-estufa provocadas pela perda de cobertura florestal, os custos para o país cumprir acordos internacionais serão multiplicados.

 

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— Combater o desmatamento é a forma mais barata de conter as emissões, sem contar os ganhos ambientais — ressalta André Lucena, professor do Programa de Planejamento Energética da Coppe/UFRJ e coautor do artigo. — O Brasil tem uma meta de redução das emissões de gases-estufa. Se o desmatamento aumentar, outros setores da economia terão que compensar com esforços de redução maiores e mais custosos.

 

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O Brasil, sétimo maior emissor de gases do efeito estufa, conseguiu cortar as emissões em 54% entre 2005 e 2012, sobretudo pela redução em 78% no desmatamento. A aprovação do novo Código Florestal, em 2012, foi o primeiro baque à exitosa política ambiental: o ano seguinte já registrou um aumento na área desmatada. Com a ascensão de Michel Temer, em maio de 2016, “a presidência do Brasil aprofundou esta reversão tentando desconstruir várias políticas ambientais bem-sucedidas”.


Chama atenção, destaca Lucena, o peso da bancada ruralista, que controla cerca de 40% das cadeiras no Congresso, apesar de 80% da população viver em centros urbanos. E com essa força, deputados e senadores ligados ao agronegócio conseguem pressionar por medidas que priorizem a produção, muitas vezes, em detrimento de políticas ambientais.

 

 

— Os ganhos do desmatamento são concentrados na mão de poucos. Isso não faz bem para o país, não apenas pelo aspecto ambiental, da perda da biodiversidade e das emissões de gases-estufa, mas pelo fardo imposto a outros setores da economia — aponta o pesquisador. — A indústria, o setor de energia, o de transporte... Eles deveriam ser contra a agenda ruralista, porque não ganham nada com isso e terão que arcar pelo aumento do desmatamento.


O artigo “A ameaça de barganha política para a mitigação climática no Brasil”, assinado por pesquisadores da Coppe/UFRJ, UFMG e UNB, afirma que “para evitar responder a acusações de corrupção, o presidente propôs projetos legislativos e assinou medidas provisórias e decretos que reduzirem as exigências para o licenciamento ambiental, suspendeu a ratificação de terras indígenas, reduzir o tamanho das áreas protegidas na Amazônia e facilitou que grileiros obtenham títulos de terras ilegalmente desmatadas na floresta tropical”.


“A análise da governança ambiental no Brasil ajuda a explicar como uma crise política pode impulsionar o aumento do desmatamento e as emissões de carbono no país”, dizem os pesquisadores. “O controle do desmatamento é resultado de forças advindas de arranjos institucionais, como o cumprimento da lei e o envio de sinais que, direta ou indiretamente, incentivam os agentes econômicos a decidir se devem ou não desmatar ilegalmente”.

 

O desmatamento é responsável pela maior parte das emissões de gases do efeito estufa no Brasil - BRUNO KELLY / REUTERS


Cenários de governança


Com isso em mente, foram traçados três cenários de governança: forte, baixa e intermediária. Com a governança forte, equivalente à aplicada entre 2005 e 2012, o governo é capaz de reduzir o desmatamento e, consequentemente, as emissões de gases-estufa. Na governança intermediária, vista no período atual, com manutenção das políticas de controle, mas sinais claros de apoio ao desmatamento, o desmatamento continua aumentando, mas num ritmo não acelerado. No cenário de governança baixa, pré-2005, o desmatamento cresce de maneira descontrolada.


— No cenário mais otimista, a gente não teria dificuldade para cumprir a nossa parte para manter o aquecimento global abaixo de 2 graus Celsius, conforme o Acordo de Paris. No cenário intermediário, que a gente considera o mais provável, o desmatamento gasta praticamente todo o orçamento de carbono e outros setores teriam que compensar, com custos mais altos — explica Roberto Schaeffer, professor da Coppe/UFRJ e um dos autores do artigo. — No cenário de governança fraca, só o desmatamento gastaria todo o orçamento de carbono do Brasil, e outros países teriam que agir para compensar as nossas emissões.

 

 

O cenário de governança fraca estima para 2025 perdas anuais de 27 mil km² e 18 mil km² de matas na Amazônia e no Cerrado, respectivamente, com emissões de gases-estufa escalando para 23,1 gigatoneladas de CO2 acumuladas entre 2010 para 2030. No cenário de governança intermediária, o desmatamento estimado em 2030 alcança 17 mil km² e 15 mil km² na Amazônia e no Cerrado, respectivamente, com emissões acumuladas de 16,3 gigatoneladas de CO2 entre 2010 e 2030. Neste cenário, sobraria para todos os outros setores econômicos apenas 7,7 gigatoneladas de CO2 do orçamento para manter o aquecimento global abaixo de 2 graus Celsius.


Os modelos estimam que os custos para a redução das emissões de gases-estufa praticamente dobram no cenário de governança intermediária, em relação à governança forte. Na governança fraca, os custos seriam três vezes maiores. E os cenários de governança fraca e intermediária contam com tecnologias que ainda não estão maduras para a aplicação comercial, como sistemas de sequestro e armazenamento de carbono, enquanto na governança forte basta a aplicação da lei.


— Por causa de uma política do século XIX, o governo obriga setores da economia a investirem em tecnologias do século XXI — critica Schaeffer.


Em nota, o Ministério do Meio Ambiente afirmou que as decisões tomadas pelo governo Temer foram decisivas para reduzir o desmatamento dos principais biomas do país e dobrar as áreas de proteção ambiental. "Como resultado, o Brasil foi o país que obteve maior redução de emissões de gases de efeito estufa desde 2004".


Ainda de acordo com a pasta, o desmatamento da Amazônia caiu 75% em 2017 em relação a 2004. No Cerrado, a queda no ano passado foi de 43% em relação a 2015. Na Mata Atlântica, a redução foi de 57% entre 2016 e 2017.


O Cadastro Ambiental Rural, por sua vez, conta com mais de 5,1 milhões de propriedades rurais cadastradas, cuja área total — mais de 420 milhões de hectares — é maior do que todo o território da União Europeia.


O Globo

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