24 de Abril de 2024 - Ano 10
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01/11/2016

Arquitetos e urbanistas entrevistam Paulo Mendes da Rocha. Confira!

Foto: Pedro Kirilos / O Globo

Arquiteto Paulo Mendes da Rocha completa 80 anos como um dos maiores nomes do setor

Um dos maiores nomes da arquitetura brasileira e internacional, vencedor, este ano, do Leão de Ouro da Bienal de Veneza, do Prêmio Imperial do Japão e da Medalha de Ouro do Instituto Real de Arquitetos Britânicos, que se somaram ao Pritzker obtido em 2006, o arquiteto capixaba Paulo Mendes da Rocha é, acima de tudo, um pensador, para quem a disciplina que abraçou deve estar sempre a serviço do homem. A convite do Globo, arquitetos e urbanistas lhe fizeram perguntas, respondidas na última quinta-feira, dois dias depois de completar 80 anos.


Washington Fajardo, arquiteto e urbanista, presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade e curador do Pavilhão do Brasil na Bienal de Arquitetura de Veneza 2016:


A Lava-Jato tem exposto falhas na contratação das obras públicas no país, com perda significativa do sentido público da arquitetura. Esta é uma situação crítica para as cidades e a sociedade. Como restituir, na esfera pública, o sentido e a relevância do projeto arquitetônico?
Arquitetura é uma questão política. Objetivamente, nossa maior preocupação deve ser nesse campo. Nós devíamos procurar influir cada vez mais para que a visão política se sobressaia em relação aos projetos. Ou seja, a ideia é pensar e planejar muito antes sobre o que fazer nas cidades e na sociedade de um modo geral. Em resumo, nós estamos aqui, como arquitetos ou em qualquer profissão, para resolver problemas. O que há são sempre problemas, e a forma como pensamos neles e nos planejamos para resolvê-los nos define politicamente.
Pedro Rivera, arquiteto, sócio da Rua Arquitetura e diretor do Studio-X:


O senhor tem a colaboração de escritórios de arquitetos de diferentes gerações — MMBB, Piratininga, Metro — em seus projetos, e muitos deles foram seus alunos. De que modo isto afeta a sua obra e a sua maneira de pensar a arquitetura?


Há uma questão eminentemente técnica envolvida nisso: os meios usados para produzir, o comando da obra, o projeto escrito e desenhado. É uma forma de assegurar a minha liberdade quanto à ideia de organização empresarial. Não preciso de um grande escritório. Eu constituo um grupo de trabalho para cada tarefa. E para isso eu me socorro, como você disse, de três ou quatro escritórios, que usualmente trabalham comigo. São pessoas que conheço muito bem e são sempre as mesmas, convém dizer. O fato é que, por serem ex-alunos, conhecidos meus, são solidários no modo de pensar. É o que chamo de convocação de uma solidariedade necessária.


Miguel Pinto Guimarães, arquiteto:


A arquitetura brasileira sempre teve protagonismo mundial. Respeitada e incentivada por governos, público e instituições internacionais. Nas últimas décadas, essa relevância, dentro do nosso próprio país, se esvaziou. Como sensibilizar os governantes da importância da arquitetura e da qualidade do design como expressão da nossa cultura e de nossa identidade?

 


Arquiteto Paulo Mendes da Rocha completa 80 anos como um dos

maiores nomes do setor (Foto: Reprodução / Internet)


Tudo isso já está feito. Todo mundo sabe o que representa, desde as nossas origens, a ideia de habitar um lugar. O que temos visto é a degenerescência dessa extraordinária forma de conhecimento que é a arquitetura e o urbanismo. O que há é a desastrada falta de planejamento na ocupação dos territórios, principalmente entre nós. Em termos de História, somos muito novos — Paris, por exemplo, comemorou recentemente 2.000 anos. Já nascemos, diante da natureza, modernos e arrojados. O interesse do mundo sobre nós e tudo que temos feito não é por acaso. Está implícita em tudo isso uma ideia de revisão crítica da política colonial, que hoje atinge a Europa, o próprio colonizador — veja os problemas que enfrentam com os refugiados de suas antigas colônias. Isso significa que temos de nos unir para projetar uma América comum. E, para isso, é necessária a construção da paz na América Latina, porque são projetos que precisam da parceria entre os países e a abertura de fronteiras para tráfego de rios, ferrovias, estradas. Ou seja, do ponto de vista da gestão espacial do planeta, para torná-lo habitável, é um instrumento de construção da paz.


Lauro Cavalcanti, arquiteto, diretor do Instituto Casa Roberto Marinho:


Qual o papel da razão e da poesia na sua arquitetura? São elas concomitantes?


São. O que nunca se sabe, entretanto, é o que vem antes. Se a razão, para realizar a poesia, ou se a poesia, para fazer da razão o discurso. Tudo o que fazemos, os homens, é sempre arte, ciência e técnica a um só tempo. Estamos condenados a transformar sempre ideia em coisa, porque você só vê coisas e não pode ver as ideias. É uma questão curiosa, enquanto indagação sobre o que se chama de público e de privado. Para a arquitetura, não há privado. Se há espaço, é público.


Martin Corullon, arquiteto, sócio do escritório Metro:


Você considera a arquitetura uma forma de discurso e frequentemente faz referência a outras linguagens do campo artístico ou científico. Um exemplo é o projeto para o Pavilhão do Brasil na feira Expo 70, em Osaka, no Japão, de sua autoria, com uma cobertura em concreto armado translúcida que projetava a luz do sol no solo, como um chão de estrelas. Gostaria que comentasse a relação entre a imagem poética, o discurso abstrato das palavras e a dimensão concreta de um edifício.


Nessa extraordinária exposição internacional em que cada país construía seu pavilhão, a ideia era que cada um fosse uma notícia sobre o país de origem. O Japão é onde se vê uma das mais incríveis manifestações de consciência sobre a ideia de território, natureza e geografia. A história da famosa Hokkaido Line começa com uma viagem de reconhecimento das primeiras ilhas daquele território. Uma formação nítida da ideia de natureza, não como simples paisagem, mas como um conjunto de fenômenos. O assunto é fundamental na América, somos parceiros na questão — brasileiros e japoneses — da inauguração do habitat na natureza. Construir uma coisa que representasse essa consciência comum me pareceu um mote para aspectos formais na exibição dessa parceria. São essas, basicamente, as razões para aquelas formas. Uma grande cobertura translúcida, apoiada em quatro pontos, dos quais três são ondulações do próprio terreno, e dois arcos cruzados como forma simbólica da construção da cidade. Não deveria ser uma construção útil, funcional. Mas um discurso lírico sobre a nossa condição comum no planeta. Não há dúvida que é um tanto pretensioso. Eu mesmo não saberia como fazer. Eis a força do que, entretanto, foi feito.


Ricardo Ohtake, arquiteto e diretor do Instituto Tomie Ohtake.


Você acha que houve omissão por parte das universidades no fato de as cidades brasileiras terem se tornado exemplos tão caóticos?
A omissão não estaria na própria universidade. Mas no deslocamento do papel político das universidades nas decisões de planejamento físico e territorial, na administração pública, nos projetos. Houve um desmonte da consciência política do conhecimento. Principalmente com a introdução da ideia de ensino pago. A ideia de universidade é necessariamente de escola pública. Cobrar para ensinar é uma infâmia.


João Paulo Beugger, arquiteto, escritório Piratininga:


Cada projeto tem suas características específicas, que variam de um para outro. O programa do edifício (residência, escola, aeroporto, museu etc.), a escala, a localização, o valor do investimento, e essas questões contribuem para a solução arquitetônica. Mas ao nos distanciarmos e olharmos o conjunto do trabalho do arquiteto é possível identificar uma busca que é uma interpretação sobre o mundo e acontece pela arquitetura. Para o olhar do Paulo sobre o seu próprio trabalho, qual seria essa busca?

 

O arquitecto brasileiro Paulo Mendes da Rocha mostra o projecto em 2008 aos

ministros da Economia e da Cultura da época, Manuel Pinho e José António

Pinto Ribeiro Pedro Cunha(Foto: Reprodução / Internet)


Essas questões programáticas são apenas pretextos. O que realmente se espera é dizer alguma coisa sobre as constantes transformações diante das quais vivemos. Pressupõe um desejo onde a necessidade é só pretexto. É nos desejos e nas transformações da condição humana, sempre, que reside a curiosidade. O que pode dar algum caráter intrigante àquilo que possa parecer sempre a mesma coisa.
Fernando Serapião, pesquisador em arquitetura e editor da revista “Monolito”:


O novo Plano Diretor de São Paulo definiu que o Minhocão, após discussão pública, deixará de ser uma via expressa de veículos individuais e será transformado. A estrutura será demolida, criando uma avenida arborizada em seu lugar, ou será transformada em área de lazer, potencializando a ocupação espontânea realizada quando está fechada aos veículos. Qual é a sua opinião a respeito? O senhor aceitaria um convite para pensar nestas hipóteses?


A questão faz tempo que é discutida. Inclusive, faz bem notar, desde a inauguração do Minhocão. Antes, eu já achava que não deveria ser feito. Nesse momento, a minha opinião é que se deve demolir aquilo que está lá. Para que se possa restituir o que havia na origem: as belas, largas e iluminadas avenidas, com a valorização do chão comum da cidade para o pedestre. A questão não é o que fazer lá em cima, é recuperar ou anular o estrago feito embaixo. A questão desses chamados elevados é o (espaço público) que foi ofendido e deve ser rediscutido.
Renata Semin, arquiteta, escritório Piratininga:


No contexto das cidades brasileiras, que significado você atribui ao espaço público que entremeia a cidade?


Esse espaço é o que costumamos chamar de “universidade”. É onde, construído por nós, conversamos uns com os outros. É, provavelmente, esse espaço, a razão da construção da cidade. Na Bienal de Arquitetura de Veneza de 2012, o tema, muito apropriado, era “Common ground” (terreno comum, em tradução livre). Poderíamos dizer que um objeto primordial da arquitetura seria amparar a imprevisibilidade da vida. Não é necessário você saber de antemão o que vai fazer: pode ir ao bar encontrar com um amigo e depois ir ao teatro assistir a uma peça que lhe foi sugerida e depois pegar o metrô para estar em casa em dez minutos. Sustentar essa imprevisibilidade, com transporte público, não é apenas conforto, mas ampliar o desfrute da cidade. É ampliação do espaço público, sob todos os sentidos, inclusive quando constrói a habitação. Não se sabe quem vai morar lá. A melhor virtude de uma “casa” é o endereço.
 

Fonte: Agência Globo

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