23 de Abril de 2024 - Ano 10
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23/06/2018

Brasileiros descobrem nova forma de proteger os rins com compostos corporais iguais aos da Cannabis

Foto: Blair Gable / Reuters

Substâncias produzidas pelo organismo podem facilitar transplantes

Num momento em que o Brasil e países como o Canadá e o Reino Unido intensificam o debate do uso terapêutico dos compostos da maconha, cientistas do Rio de Janeiro celebram a descoberta de uma forma de proteger os rins e facilitar transplantes renais com os chamados endocanabinoides, compostos como os da maconha (Cannabis sativa) que são produzidos pelo próprio corpo humano.

 

A pesquisa reforça uma das mais promissoras áreas de desenvolvimento de remédios baseados num sistema que funciona como uma espécie de maconha interior.

 

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Publicado na revista científica “Biochemical Pharmacology”, o trabalho mergulha na rede de conexões bioquímicas que acontece nos rins quando ocorre isquemia, a obstrução da circulação do sangue que pode levar à falência do órgão. É que no meio da tempestade de substâncias que a falta de sangue deflagra, o próprio organismo trata de produzir doses de endocanabinoides para promover a bonança — a preservação dos tecidos dos rins.

 

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— Quando os tecidos são restabelecidos em seu nível normal, os efeitos da isquemia são revertidos. E o tecido dos rins, preservado — afirma o líder do trabalho, Marcelo Einicker Lamas, coordenador do Laboratório de Biomembranas, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF), da UFRJ.

 

EM TODAS AS PARTES DO CORPO

 

O estudo se baseou em experiências com culturas de células e animais, mas os resultados animaram seus autores. Segundo Lamas, a pesquisa mostra que os canabinoides — tanto os de origem humana quanto os produzidos pela maconha — são uma fonte promissora de tratamento para uma complicação como a isquemia, que muitas vezes leva à morte e também é um dos maiores obstáculos à preservação de rins para transplante.

 

— Os canabinoides da maconha mimetizam os efeitos dos humanos, daí sua ação terapêutica — explica o pesquisador.

 

Canabinoides são produzidos por plantas e animais. Os das plantas, como a maconha, são chamados fitocanabinoides. Eles são formados por lipídios, ou seja, gorduras. Como a membrana de cada célula humana é formada por lipídios, toda célula humana, por exemplo, tem endocanabinoide.

 

As concentrações, porém, variam pelo organismo. O sistema nervoso, por exemplo, tem muito mais atividade dessas substâncias, batizadas de anandamida e 2-AG. O receptor de canabinoides CB1, chamado de “o receptor da maconha”, é o mais abundante no cérebro humano. Ele se liga tanto aos fitocanabinoides, quanto aos produzidos pelo próprio homem.

 

É por serem análogos aos humanos que os fitocanabinoides da maconha são tão importantes para a medicina, destaca Ricardo Reis, coautor do novo estudo e chefe do Laboratório de Neuroquímica do IBCCF/UFRJ, o mesmo instituto de Lamas.

 

— Quando se toma um fitocanabinoide, como o THC e o canabidiol presentes na maconha, restaura-se um ponto em desequilíbrio no sistema endocanabinoide humano. Isso acontece porque eles são semelhantes — afirma Reis.

 

O rim, alvo do estudo da UFRJ, é apenas um dos órgãos em que o sistema endocanabinoide atua. No corpo e no cérebro humano, ele está por toda parte. O laboratório de Lamas, por exemplo, trabalha mais com os rins. Outros, como o de Reis, focam no sistema nervoso e em aplicações em doenças como a esclerose lateral amiotrófica e os males de Alzheimer e Parkinson. Há grupos na UFRJ dedicados ao papel dos endocanabinoides no metabolismo, com implicações no diabetes e na obesidade.

 

No Brasil e no resto do mundo, há centenas de grupos de estudo dedicados à área. Os avanços da pesquisa brasileira são motivos para celebrar, em meio à falta de fundos para a pesquisa que tem vitimado a ciência no país.

 

— Já sabemos que os endocanabinoides são importantes para o raciocínio, a memória, a recuperação de traumas no sistema nervoso (como os acidentes vasculares cerebrais), transtornos obsessivos compulsivos (TOCs) e convulsões causadas pela epilepsia — diz Reis.

 

Dosagem ainda é desafio

 

Ele lista ainda as dores crônicas, as inflamações, as complicações do sistema imunológico, alterações de humor e de apetite. Uma em cada duas pessoas acima dos 80 anos desenvolve alguma forma de demência. Como vivemos cada vez mais, isso representa um número imenso de casos.

 

— Os endocanabinoides podem ajudar a reverter esse quadro — destaca.

 

O desafio, dizem os pesquisadores, é descobrir a dose e o momento certos em que os canabinoides, sejam os humanos ou os da maconha, devem ser usados para combater doenças. Como os receptores estão espalhados pelo corpo, tentar corrigir um distúrbio pode levar a outro. Reis cita avanços de empresas do Canadá e de Israel no desenvolvimento de medicamentos baseados no sistema canabinoide.

 

— O horizonte é azul, mas é preciso saber navegar — frisa Reis, que lembra de um caso em 2016, na França, em que o teste de um fármaco modulador do sistema endocanabinoide matou uma pessoa e deixou sequelas em outras cinco.

 

Uma orquestra sem maestro

 

Os endocanabinoides mostram como o organismo humano permanece, em ampla medida, terra incógnita. Um sistema tão poderoso quanto o endocanabinoide só agora começa a ser melhor conhecido.

 

 

— Por ser difuso e ter interações complexas, é muito difícil de ser estudado. Precisamos recorrer a equipamentos de espectrometria de massa nem sempre disponíveis no Brasil — observa Marcelo Lamas.

 

Não existe um controle central conhecido, o sistema funciona como uma orquestra sem maestro. Quando sai fora do tom, o ruído se manifesta de formas tão diferentes quanto dor, depressão, compulsões, diabetes, obesidade e câncer.

 

Textos assírios da Biblioteca de Nínive, do rei Assurbanipal, no século VII a.C., já mencionavam as aplicações da maconha em sua farmacopeia. Mas foi preciso esperar o desenvolvimento de técnicas modernas de biologia molecular, animais transgênicos e testes farmacológicos a partir da última década do século XX para começar a entender o que são e como funcionam os canabinoides, que o próprio corpo humano produz.

 

O Globo

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