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Mulher
23/10/2017

Câncer de mama afeta a sexualidade durante e após o tratamento; entenda

Foto: Shutterstock / Divulgação

Queda na libido, secura vaginal e baixa autoestima causadas pelo tratamento podem afetar a vida sexual e, apesar de haver formas de contornar esses problemas, a mulher não precisa se forçar a recorrer a elas

Quando uma mulher recebe o diagnóstico de câncer de mama, muita coisa é colocada à prova. Quando se pensa nessa doença, a primeira consequência que vem à mente é a possibilidade de a mulher precisar remover os seios, mas, além disso, o tratamento ainda pode desafiar o corpo de várias formas, inclusive no aspecto psicológico e sexual.

 

As drogas utilizadas no tratamento contra o câncer de mama e a desestabilização da autoestima durante o processo podem fazer com que a vida sexual da mulher seja praticamente anulada. De acordo com Trícia Barreto, ginecologista, obstetra e especialista em fisiologia hormonal, isso acontece porque além de as medicações deixarem as pacientes indispostas e enjoadas, elas também podem ser responsáveis por problemas relacionados diretamente com o sistema reprodutor da mulher.

 

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A médica explica que, além de derrubar a libido, o tratamento ao qual as pacientes são submetidas também pode causar secura vaginal – o que torna o sexo desagradável e até doloroso –, um estreitamento tanto do canal vaginal quanto do anal por conta de possíveis inflamações geradas pela radioterapia e até uma atrofia dos ovários que pode ser irrecuperável e eliminar a possibilidade de a mulher gerar filhos no futuro.

 

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Tudo isso ainda soma-se aos danos que ter uma doença grave traz para a autoestima das pacientes. Por questões socioculturais, mulheres já sofrem um bocado no quesito autoimagem, e a mastectomia – processo que retira o seio afetado pela doença (ou até os dois, para evitar a possibilidade de o câncer voltar) – e a queda de cabelos, cílios e sobrancelhas pode desgastar ainda mais a forma que ela mesma se enxerga. É aí que entra o desconforto em se apresentar de forma íntima para um parceiro ou parceira, além do medo de como o processo pode afetar o relacionamento.


Contornando a doença


Apesar de definitivamente haver um baque na autoestima de uma pessoa quando ela é diagnosticada com uma doença tão complicada quanto o câncer de mama, para muitos, passar por uma situação assim desperta um instinto de sobrevivência.


De acordo com a psicanalista e terapeuta tântrica Mariana Stock, a baixa autoestima tem dois lados. “Quando as pessoas estão assim, na doença, com câncer, a morte está sempre ali apresentando a possibilidade de a vida acabar. Quando a gente tem essa função de morte muito forte acontecendo, existe um aspecto instintivo, o corpo pede socorro, pede outra relação com a vida”, explica.


A especialista fala também que o funcionamento psíquico do corpo se baseia em uma repetição de três sensações - a tensão, a carga e a descarga - e que isso se manifesta perfeitamente no ato sexual. Segundo ela, quando as consequências da doença não permitem que a pessoa viva a sexualidade, é possível que ela não consiga chegar à etapa de descarregar a tensão acumulada. Felizmente, para essas pessoas que sentem vontade e necessidade de se conectar com a sexualidade durante o processo de tratar a doença, há formas de contornar os efeitos colaterais.


Para a secura na vagina e o estreitamento que pode ocorrer tanto no canal vaginal quanto na região anal, Trícia conta que alguns cremes vaginais de ação hormonal ou, dependendo do caso, hidratantes podem reverter a situação e retomar o conforto das relações sexuais. No caso da atrofia ovariana, a ginecologista explica que cada pessoa reage de um jeito, mas que há situações em que é possível apostar em tratamentos que recuperam os órgãos, devolvendo à mulher a capacidade de engravidar no futuro.

 

Quanto a questão da relação da mulher com próprio corpo e as dificuldades em se relacionar com o parceiro ou parceira durante e após o período, tanto Trícia quanto Mariana recomendam o mesmo: diálogo. “Hoje, nossa relação com o corpo ficou muito fragmentada. Quando olhamos no espelho, a gente vê uma barriga mais cheinha, uma bunda com celulite, uma pele com rugas. A gente fatia o corpo, vendo defeitos em vez de ver uma integração. Ela não tem um seio faltando, tem um corpo com um seio que passou por uma história”, comenta Mariana.


Às vezes, porém, é difícil que a mulher consiga pensar dessa forma sem ajuda, e é aí que entra a terapia. Segundo Trícia, normalmente as pacientes passam por acompanhamento psicológico durante o processo, o que pode ajudar a mulher a impulsionar o instinto de viver em vez de ceder às inseguranças e ao medo.


No relacionamento, é a mesma coisa. Apesar de algumas mulheres sentirem vontade de manter a vida sexual completamente normal, é praticamente impossível que as coisas não mudem, mesmo que ligeiramente. “A melhor forma de a gente entender o que há de errado é trazer um sintoma para a fala. Muitos casais reclamam da vida sexual, mas não conseguem falar sobre que o que está acontecendo de errado. Quando a mulher está doente, a necessidade de falar duplica. Na relação, é importante resgatar a importância do diálogo e realizar o que aflige é fundamental”, conta a psicanalista.


Não é obrigação


Ainda que algumas pessoas sintam vontade de manter a vida sexual ativa durante a luta contra o câncer de mama, e que haja formas de minimizar os efeitos colaterais do tratamento, isso não é um padrão entre as pacientes. Se a mulher não sente vontade de fazer sexo ou tem dificuldades em retomar o gosto por ser tocada após, por exemplo, a remoção de um seio, ela não deve se forçar.


“Ser mulher dá trabalho. Sem estarmos adoecidas, nós já não deveríamos nos cobrar. A grande mudança que precisamos fazer é ter prazer antes de dar prazer. A gente precisa se suprir e, na função normal de mulher sadia, já é algo que a gente precisa inverter. Quando estamos adoecidas, mais ainda”, afirma Mariana. A especialista reforça ainda o fato de que, de alguma forma, a pessoa vai passar por mudanças, e que tentar agir como se nada estivesse acontecendo pode ser bastante decepcionante. O mais importante para ela é que as pacientes reflitam, se voltem para dentro delas mesmas e concentrem os esforços em recuperar a vitalidade, não em atender às expectativas que a sociedade impõe sobre elas.


É o caso de Heliana Jacintho, de 57 anos, que, em 2012, descobriu que estava com a doença de Paget, um tipo relativamente raro de câncer de mama. De início, Heliana notou manchas amarronzadas no sutiã, mas, ao visitar o médico, ouviu dele que não era nada e passou a tomar remédios que mascararam os sintomas.


Porém, após nove meses, ela piorou e, quando descobriu a doença, ela já estava em um estado bastante avançado. “Perguntei ao médico qual era o tratamento e ele disse que era a mastectomia radical. Perguntei se havia alguma outra saída, mas ele disse que não. Foi muito complicado, porque havia seis meses que tínhamos perdido minha mãe, também para o câncer”, conta.


Heliana prontamente iniciou o tratamento contra a doença, perdeu os cabelos, fez a retirada das duas mamas e viu sua vida sexual ser completamente anulada no processo, mas, mesmo assim, não se deixou abater. “A mama é uma parte da mulher que tem muito a ver com a sexualidade , a beleza, então é complicado. Fiquei pensando em como seria ficar sem a mama, como eu reagiria ficando sem ela. A única coisa que me ocorreu foi: ‘O que vale mais, a mama ou a vida?’. Eu não deixei que isso me destruísse emocionalmente. Não é que eu não me importei, só não deixei isso crescer em mim. Fiquei feliz de estar viva”, conta.

 


Heliana Jacintho descobriu o câncer de mama em 2012 e casou-se com o atual

marido durante o tratamento, mostrando que, apesar de a sexualidade ser,

sim,  afetada pela  doença, isso não precisa afetar um

relacionamento (Foto: Arquivo pessoal)

 

Segundo ela, uma das médicas que acompanhou o tratamento a avisou sobre a possibilidade de perda da atividade sexual. “O organismo não reage. Você não tem lubrificação nenhuma, até a musculatura fica muito doída, muito sensível, não tem condições. A gente quer, tem vontade, mas o corpo não responde”, explica Heliana. Mesmo assim, foi durante o tratamento, há cerca de um ano e meio, que ela e então namorado decidiram se casar, mostrando que a questão não precisa atrapalhar o relacionamento, contanto que haja compreensão.


Heliana conta que, antes de ser casado com ela, o marido era esposo da cunhada dela, que faleceu há quinze anos de câncer de mama. “Ele foi muito importante nesse processo porque já tinha vivido essa situação, sabia como era a pessoa não conseguir se relacionar. Tem muitos homens que abandonam e esse é um ponto em que me considero privilegiada, ele nunca me cobrou nada, nunca me pediu nada, é extremamente compreensivo”, afirma, ressaltando que, hoje, a vida sexual vem melhorando lentamente com o final do tratamento.


Ela explica também que, segundo a psicóloga que a acompanhou durante o tratamento para o câncer de mama, o fato de ela ter sido capaz de manter a autoestima alta no processo representa um papel importantíssimo no sucesso da luta contra a doença. “Foi um processo cheio de etapas em que eu vivi uma vitória atrás da outra porque não aceitava menos que isso”, relembra Heliana.


Delas / iG

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