‘Celas vip’ do Compaj criam crise entre secretários do governo. Juiz não vai permitir novas revistas e promete abrir presídios para a imprensa

O governador José Melo (Pros) acordou hoje (30) com a nada agradável missão de dissipar a possibilidade de uma crise interinstitucional que se avizinha depois da primeira da série de revista a presídios do Estado, que determinou que a Secretaria de Segurança Pública (SSP) iniciasse ontem pelo Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), onde estão os criminosos condenados mais perigosos do Amazonas.

A revista foi coordenada pessoalmente pelo secretário de Segurança Pública, Sérgio Fontes, com apoio do comandante Militar da Amazônia (CMA), general-de-exército Theophilo de Oliveira, e absurdos inimagináveis foram encontrados, como túnel para fuga, bebidas, drogas, armas e, o mais grave, celas equipadas com todo o conforto de apartamentos de luxo em hotéis bem avaliados, com cozinha, despensa, sistemas de som e televisão, eletrodomésticos como frigobar e freezers, ventiladores e outros. 

'Cela vip' de Zé Roberto impressionou pelo luxo e iniciou polêmica no setor público

(Fotos: Divulgação PM / Reprodução da internet)

Foi achada também grande quantidade de cordas feitas com lençóis e peças de roupas usadas, as conhecidas “terezas”, usadas para escalar muros nas fugas, e um verdadeiro arsenal de armas brancas, produzidas a partir de peças metálicas. 

 Armas, celulares e tudo que é tipo de objeto foram achados na revista 

Titular da Seap não acompanha revista e governador dá recado

Os presídios são de responsabilidade da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap), cujo titular, coronel da reserva da Polícia Militar Louismar Bonates, não foi convidado para a revista na unidade que deveria administrar. 

Bonates não explicou a razão para não participar da revista 

José Melo declarou à imprensa, assim que tomou conhecimento da existência de “celas VIP” para os líderes de facções criminosas, como a do traficante José Roberto Fernandes Barbosa, de 42 anos, o “Zé Roberto da Compensa”, que está “preso” em um amplo espaço com paredes e pisos revestidos de cerâmicas e porcelanas, mesa de jantar, frigobar, som e TV, colchão ortopédico, ventiladores e todos os utensílios de uma cozinha, além de uma despensa bem abastecida com alimentos, que só seguem no governo os secretários que "cumpram na inteireza aquilo que nós nos propusemos a fazer, que é trabalhar de forma dura em relação às coisas que vão beneficiar o povo do Amazonas".

O governador mostrou visível irritação com mais essa exposição negativa do Estado na mídia, tudo porque a Seap não conseguiu quebrar o controle dos presídios pelos grupos criminosos, que mandam matar seus desafetos dentro dos muros do sistema ou fora dele e continuam a traficar drogas normalmente, como comprovado por cadernos com a contabilidade do crime. Até hoje não informou quantos são os presos do regime semiaberto (que passam o dia fora, para trabalhar, e à noite deveriam retornar à cela) que estão na condição de foragidos, e que diariamente são encontrados pela polícia praticando novos crimes. 

 Falando a jornalistas ontem, Melo mostrou insatisfação 

Melo complementou: "Enquanto fizerem isso, merecem a minha confiança e estão no meu governo. Se não fizerem, não merecem a minha confiança e também não estarão mais no meu governo".

Como essa declaração foi feita na manhã de ontem, enquanto a revista no Compaj ainda se desenrolava, o governador naturalmente não poderia supor o que o titular da Seap iria dizer na entrevista que deu à imprensa no final da tarde. 

 Polícia Militar faz a contagem de presos e mantém

a ordem dentro do Compaj na revista  

Responsabilidade é da Justiça, aponta secretário Bonates

O secretário Bonates jogou a responsabilidade da existência das “celas VIP”, que ele mesmo admite que são “motel para visita íntima”, para o juiz da Vara de Execuções Penais, Luís Carlos Valois. “Nós temos também não é frigobar e sim freezers, em todas as alas, e também determinado pelo juiz”, afirmou, enfatizando: “Ele tem conhecimento e determinou”.

"As celas especiais são devidamente autorizadas pelo juiz da Vara de Execução Penal. Essas celas estão assim há mais de três anos. É autorizado por ele considerar, principalmente, ali no fechado, que é residência dos presos, que o único direito que eles perderam foi de ir e vir, não perderam a dignidade", disse Bonates.

A cela de Zé Roberto, a mais luxuosa do Compaj, além de revestida com porcelanato, tem uma cozinha com louças, churrasqueira elétrica, faqueiro, bebedouro, panelas, freezer horizontal de duas portas, abastecida com generosas peças de filé de carne bovina e caixas grandes de isopor com peixes diversos conservados em gelo. Da cela-apartamento, o traficante controla o sistema de iluminação de todas as demais celas do pavilhão.

 Valois está viajando, mas promete dar resposta  

Juiz se manifesta e posta nota aos críticos

Veículos da imprensa de Manaus que entrevistaram o juiz Valois afirmam que ele se manifestou sobre as declarações de Bonates dando como resposta “que as revistas nos presídios não ocorrerão mais sem o seu consentimento”. Revistas como essa só vão ocorrer com a autorização expressa do juiz. Valois também teria negado a autorização para conceder qualquer regalia a presos, como afirmara o secretário responsável pela gestão do sistema prisional.

O juiz prometeu abrir o Compaj na próxima semana para mostrar à imprensa, acreditando que assim a realidade da vida dos presidiários será conhecida. Segundo ele teria dito a um blog, “são montanhas de presos dividindo celas onde caberiam cinco”.

Circula nesta manhã mensagem que teria sido postada pelo juiz Valois em seu perfil em rede social, na qual afirma que não defende bandido. “... o Tribunal de Justiça me colocou em uma vara que é de execução penal, e que por lei é para zelar pelos direitos dos presos (Lei 7.210/84). Foi a lei que criou direitos penitenciários...”.

 Fontes cumpriu determinação para fazer a revista 

Secretários divergem sobre revistas

A SSP, por seu secretário Sérgio Fontes, disse a um jornal local que a operação foi um sucesso e que revistas como essa são dever do Estado e “todas as vezes que forem necessárias a SSP, PM e Exército vão entrar novamente”.

Bonates não teria gostado das declarações do secretário de Segurança Pública e afirmado à imprensa, conforme está divulgado hoje, que ele estranhou a existência de celas de “luxo” no Compaj porque “nunca entrou no sistema prisional”. “Essas celas existem há mais de três anos e foram construídas com a autorização da Vara de Execuções Penais. Mas, como o pessoal da Secretaria de Segurança nunca tinha entrado e visto isso, eles estranharam”.

Fontes comandou a revista por determinação do governador José Melo, que cobra melhor administração dos presídios, principalmente depois que membros de facções criminosas assassinaram três presos em menos de um mês. 

 Presos foram surpreendidos pela presença de militares da PM e do Exército logo cedo 

Manifestação do Ministério Público

O Ministério Público do Estado do Amazonas (MPE-AM), por seu procurador-geral de Justiça, Fábio Monteiro, deve propor a criação de um grupo de trabalho com os órgãos públicos envolvidos com a segurança pública e o sistema prisional para apurar toda a situação resultante dessa primeira revista em presídios estaduais.