24 de Abril de 2024 - Ano 10
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Internacional
06/05/2019

Extremismo de direita busca na Idade Média símbolos e discurso de 'herança branca'

Foto: EDU BAYER

Símbolos medievais em marchas de nacionalistas brancos em Charlottesville e inscrições de Cruzadas em arma de atirador de Christchurch apontam para

Todo mês de maio, cerca de três mil pessoas descem em Kalamazoo, Michigan, para o Congresso Internacional de Estudos Medievais, que reúne acadêmicos e entusiastas durante quatro dias de painéis acadêmicos, apresentações e bebida após o expediente.

 

Mas nos últimos anos, a reunião carinhosamente conhecida como "K'zoo" — e o campo dos estudos medievais em si — tem sido obscurecida por conflitos diretos do século XXI.


Desde a eleição presidencial de 2016, os estudiosos debatem a melhor maneira de combater a "instrumentalização" da Idade Média por uma onda crescente de extrema direita, sejam manifestantes nacionalistas brancos em Charlottesville, Virgínia, exibindo símbolos medievais ou o supremacista branco que assassinou 50 pessoas em duas mesquitas em Christchurch, Nova Zelândia, usando armas inscritas com referências às Cruzadas.


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E paira sobre tudo isso uma questão ainda mais preocupante: os estudos medievais têm em si um problema de supremacia branca?


Para alguns estudiosos, a resposta é sim, e não apenas porque o campo de estudo é predominantemente branco. A área de estudos sobre a Idade Média, argumentam eles, ajudou a criar a ideia de superioridade europeia branca e ainda a reforça hoje. Houve pedidos para "descolonizar" os estudos medievais com o confronto do racismo estrutural que manteve de fora os estudiosos não brancos e as perspectivas não brancas.


Do outro lado, estão aqueles que veem o campo sitiado por ativistas que buscam substituir a erudição por denúncias ritualísticas de privilégio masculino branco.


Houve embates vívidos de blogs, conflagrações de mídia social e desistências de conferências. (Alguns membros do grupo Medievalistas Negros anunciaram que vão boicotar a conferência de Kalamazoo deste ano, que começa quinta-feira.) Grupos de Facebook se dividiram em meio a acusações e contra-ataques de bullying e infiltração por trolls.


No meio está a ampla massa de medievalistas, que podem simpatizar com um campo ou outro, mas principalmente querem ficar de fora da briga.
— As pessoas não se tornam medievalistas porque querem ser políticas — disse Richard Utz, acadêmico literário da Georgia Tech e presidente da Sociedade Internacional para o Estudo do Medievalismo. — A maioria são pessoas que mais se assemelham a monges que só querem viver em suas celas e escrever seus manuscritos.


O termo "medieval" entrou em uso no século XIX para se referir à Europa de cerca dos anos 500 a 1500, entre o fim do Império Romano e a ascensão da modernidade. Mas enquanto o campo pode parecer divorciado do mundo contemporâneo, suas próprias origens dificilmente eram apolíticas.


Na Europa, o estudo acadêmico da Idade Média desenvolveu-se em conjunto com um nacionalismo romântico que enraizou o Estado-nação em um passado idealizado, povoado por anglo-saxões e outras "raças" supostamente distintas. Nos Estados Unidos, universidades, instituições culturais e elites abastadas recorreram à arquitetura gótica, heráldica e outras armadilhas medievais para fundamentar a identidade americana em uma história europeia nobre (e implicitamente branca). O mesmo aconteceu com os proprietários de escravos do sul e com a Ku Klux Klan.


'Herança branca' medieval


Hoje, o campo é amplo e interdisciplinar, e inclui historiadores, estudiosos literários, historiadores de arte, filólogos, arqueólogos e outros. Seus limites se expandiram para além de seu foco tradicional no Noroeste da Europa para incluir o Mediterrâneo, a Europa Oriental, o Oriente Médio e até mesmo, entre os defensores de uma “Idade Média global”, o mundo inteiro. Mas continua sendo um campo intelectualmente conservador que resistiu, em grande parte, às ondas da teoria crítica que inundaram grande parte das ciências humanas nas últimas décadas. Também demorou a abordar a questão da raça.


Durante a eleição de 2016, memes como Donald Trump na armadura a cavalo e o slogan “Deus vult” (Deus o quer) começaram a se proliferar nas mídias sociais. Os nacionalistas brancos intensificaram o recrutamento nos campi universitários, às vezes cooptando a linguagem da política de identidade com apelos para que os estudantes explorassem sua “herança branca”. E então veio Charlottesville, onde a visão de manifestantes portando escudos evocando os templários ou segurando bandeiras com runas anglo-saxãs foi um choque para muitos estudiosos.


Uma semana depois de Charlottesville, a Academia Medieval e outros 28 grupos acadêmicos divulgaram uma declaração condenando a "fantasia de uma Europa branca e pura que não tem relação com a realidade". Alguns medievalistas revisaram seu ensino, discutindo apropriações indevidas da história junto com a própria história. De repente, os professores começaram a se preocupar sobre como responder aos estudantes que poderiam trazer à tona temas nacionalistas brancos - ou quem poderia supor que os próprios medievalistas são supremacistas brancos.


A ideia de estudos medievais como um refúgio para ideias nacionalistas brancas ganhou terreno quando Rachel Fulton Brown, professora associada de história medieval da Universidade de Chicago, começou a brigar com Dorothy Kim, professora assistente de literatura medieval inglesa em Brandeis, depois de Kim, no Facebook, destacar um antigo post no blog de Fulton Brown intitulado "Three Cheers for White Men" (Três Brindes para Homens Brancos), como exemplo de "medievalistas que sustentam a supremacia branca".

 

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Kim, membro dos Medievalistas de Cor, disse que alguns medievalistas brancos estão encenando um "roteiro clássico de fragilidade branca" para não serem acusados de racismo.


"Nós, de grupos marginais e alvos, não têm escolha" sobre se manifestar, disse ela. "Isso é sobre a nossa própria sobrevivência no campo."


O Globo

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