19 de Abril de 2024 - Ano 10
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18/01/2017

Mundo pode sofrer mais com política externa de Trump, diz chefe da HRW

Foto: Susana Vera / Reuters

Kenneth Roth alerta sobre ameaça aos direitos humanos com onda populista

Frente à onda populista que avança sobre Estados Unidos e Europa, o diretor-executivo da ONG Human Rights Watch, Kenneth Roth, alerta para uma ameaça aos direitos humanos em escala global. Para o especialista, o novo governo republicano de Donald Trump na Casa Branca poderia fortalecer o autoritarismo em várias partes do mundo — e, assim, aumentar o sofrimento, sobretudo, de quem luta por liberdade. Segundo Roth, é importante que países como o Brasil emerjam como apoiadores consistentes dos direitos humanos, frente ao vácuo que pode ser deixado pelos EUA na comunidade internacional ao longo do próximo ano.

 

Como organizações internacionais se preparam para enfrentar possíveis desafios aos direitos humanos no governo Trump?

 

Estamos muito preocupados com medidas previsíveis que Trump pode tomar. Ele pode dar início a deportações em massa de pessoas que há muito tempo vivem nos EUA. Mesmo que seu estatuto legal seja questionável, elas já desenvolveram um forte interesse, por conta de suas famílias, em ficar no país. Tememos que ele continue ou intensifique a política de encarceramento em massa, que fez dos EUA o país que mais prende pessoas no mundo, muitas vezes envolvendo crimes não violentos relacionados às drogas e mirando comunidades minoritárias. E também que restabeleça algumas das políticas abusivas do ex-presidente George W. Bush para combater o terrorismo, como o uso da tortura ou o repovoamento da prisão de Guantánamo. Poderia haver ainda um grande retrocesso nos direitos das mulheres, em sua liberdade para regular a gravidez. Estamos nos preparando para enfrentar estas questões rápida e agressivamente. E a ascensão global do populismo nos mostra que precisamos fazer mais para reforçar valores de direitos humanos na população.


O movimento dos direitos humanos é construído sobre a premissa da desaprovação popular quando denunciamos más condutas dos governos. Mas os populistas são ilicitamente absolvidos quando violam os direitos humanos. E foi assim que Trump construiu sua popularidade: demonizando minorias vulneráveis.

 

É preocupante que tantos americanos tenham votado na retórica agressiva de Trump?

 

A eleição de Trump refletiu uma considerável insatisfação popular sobre a resposta do governo a sérios problemas, sobretudo à estagnação econômica. E muitos não estão contentes com as mudanças demográficas no país, que se torna uma sociedade mais multicultural. Trump ofereceu não necessariamente soluções, mas sim respostas, que tipicamente culpabilizam minorias, geralmente os imigrantes mexicanos ou refugiados sírios.

 

Trump defendeu o uso da tortura como método de interrogatório, mas indicados ao seu Gabinete se opõem à medida. Este poderia ser um sinal de que ele talvez não concretize todas as suas ideias?

 

Espero que isso seja verdade, mas não estou confiando inteiramente em Trump. Ele primeiro falou em afogamento simulado, ou coisas piores; mas, depois, James Mattis, seu indicado para secretário de Defesa, desaconselhou-o a fazer isso. A resposta de Trump foi que, se o povo americano quisesse a tortura, faria isso. Este é o problema com demagogos como Trump: estão dispostos a satisfazer a vontade da maioria, mesmo que violem direitos humanos.


Um governo altamente populista nos EUA enviaria um sinal verde aos populistas na Europa?

 

É importante reconhecer que a onda populista na Europa existe independentemente de Trump. Há populistas que já venceram em Polônia e Hungria, ou estão montando campanhas vigorosas em França e Holanda. Os europeus estão particularmente preocupados com a imigração e a sua natureza muçulmana. E a vitória de Trump certamente vai incentivar os populistas. Na semana passada, a líder da extrema-direita francesa, Marine Le Pen, voou até Nova York e foi à Trump Tower, na esperança de encontrá-lo. Claramente, achou que seria vantajoso ser associada a ele. Mas, ao mesmo tempo, a sua vitória é um alerta à Europa de que o impensável pode acontecer. Já vimos o mesmo com o Brexit, que também foi muito inesperado.

 

E os EUA podem perder parceiros na Europa? Trump tem sido muito crítico à Otan e chamou a política migratória da chanceler federal alemã, Angela Merkel, de “erro catastrófico”...

 

Kenneth Roth, da Human Rights Watch (Foto: AFP)


Bom, francamente, eu não entendo a abordagem de Trump para a Otan. Ele parece criticar a todos, com exceção do presidente russo, Vladimir Putin, que está atacando civis, atirando contra hospitais e destruindo lares. Este dificilmente parece um modelo para Trump aplaudir, mas é o que ele está fazendo. Ele parece também estar quase encorajando uma ruptura na União Europeia e, obviamente, as suas políticas anti-imigração o fizeram criticar a generosidade de Merkel para os refugiados de Síria, Iraque e Afeganistão na Alemanha. O que nos preocupa é que esta aproximação com Putin possa refletir um fascínio mais amplo com os homens fortes ao redor do mundo, numa radical ressuscitação das antigas políticas externas dos EUA — país que inconsistentemente, porém regularmente, vem apoiando os direitos humanos. E, se ele continuar a fazer isso, esta pode ser uma mudança perturbadora.

 

Neste caso, quais são os primeiros retrocessos a que poderíamos assistir no resto do Ocidente?

 

Se Trump apoiar demagogos ao redor do mundo, isso poderia ter um impacto desastroso na Síria, por exemplo. O presidente Bashar al-Assad tem deliberadamente atacado civis, e o apoio de Trump poderia representar mais matanças e mais refugiados. E haveria ramificações muito ruins para vozes independentes em Egito, Rússia, Turquia... qualquer lugar em que você encontra um demagogo que está massacrando dissidentes. A política externa de Trump pode aumentar o sofrimento mundial. E devo dizer que, neste cenário, é importante que países como o Brasil emerjam como apoiadores consistentes dos direitos humanos.

 

O Globo

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