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Educação
26/09/2020

'Meu pai não consegue pagar as contas sozinho': adolescentes cogitam abandonar o ensino médio com a pandemia

Foto: Arquivo pessoal

Evasão escolar tem sinais de que sofrerá alta e preocupa. Entre os jovens brasileiros de 15 a 17 anos, cerca de 30% não estão matriculados hoje em dia no ensino médio.

Danielle Teixeira tem 15 anos e pensa em abandonar o 1º ano do ensino médio. Ela estuda em uma escola pública estadual de Itabirito (MG). Nos últimos meses, vieram a ansiedade, a depressão e as dificuldades financeiras. “Parece que tudo foi desfeito, estou confusa, talvez eu desista e vá trabalhar.”

 

Desde março, quando o colégio foi fechado por causa da pandemia, Danielle lida com preocupações na família. A mãe teve problemas de saúde, foi afastada do trabalho e ainda não recebeu o auxílio-doença do INSS. “Meu pai não consegue pagar todas as contas sozinho. Pensei na possibilidade de ser lojista ou de trabalhar com culinária. A situação financeira me pressiona muito”, diz.

 

O G1 está publicando reportagens sobre a evasão escolar e seu agravamento com a pandemia. Na primeira matéria, falamos sobre evasão universitária e os efeitos sobre o mercado de trabalho

 

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Danielle Teixeira, de Minas Gerais, enfrenta problemas emocionais e financeiros. — Foto: Arquivo pessoal


A suspensão das atividades presenciais, que completa 6 meses na maior parte do país, e a crise econômica trazidas pela Covid-19 podem agravar um problema já observado: a evasão escolar. Tecnicamente, ela ocorre quando um estudante abandona as aulas e não retorna no ano letivo seguinte. A taxa tende a crescer em 2021 na visão de especialistas.

 

Uma das razões é a quebra de vínculo entre alunos e escola. O colégio de Danielle, por exemplo, não disponibilizou aulas on-line durante a pandemia, apenas apostilas de exercício. Ela sequer conhece seus professores. “Eles estavam em greve no início do ano, então não tenho o contato direto de nenhum deles. A coordenação passou um e-mail para tirarmos as dúvidas da matéria, mas ninguém responde”, afirma Danielle.

 

“Por mais que eu pesquise sozinha, não consigo, só vejo os exercícios se acumulando. Aí, a gente acaba desistindo.

 

Longe da escola


Entre os jovens brasileiros de 15 a 17 anos, cerca de 30% deles não estão matriculados no ensino médio (20% deles seguem ainda no ensino fundamental e 10% já estão fora da escola), segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2019, feita pelo IBGE.

 

O levantamento mostrou também que 48,8% dos brasileiros com mais de 25 anos não concluíram o ensino médio. O principal motivo para a evasão escolar, apontado por 39,1% deles, foi a necessidade de trabalhar.

 

“Quando um jovem se afasta da escola, é muito difícil que retorne depois. Ele pode encontrar um ‘bico’ e ganhar seu dinheiro”, explica Marlova Noleto, diretora e representante da Unesco no Brasil.

 

“Há os jovens que sentem a necessidade de buscar o próprio sustento, os que já têm filhos e precisam bancá-los, e os que têm de ajudar os pais em casa”, afirma Noleto.

 

E quanto mais anos passados, mais dificuldades para a volta. "Se um aluno decidir retornar aos 18 anos, mas encontrar colegas de 15, não vai se inserir na turma. É um contexto totalmente favorável para afastá-lo de novo dos estudos”, diz Inês Kisil Miskalo, gerente executiva de articulação do Instituto Ayrton Senna.

 

Outras possíveis causas da evasão escolar na pandemia são:

 

aumento de casos de ansiedade e depressão;


maior exposição à violência doméstica;


incidência de gravidez na adolescência.


A mãe teve sequelas da Covid


Nikolas Pimenta, de 17 anos, agora precisa cuidar de sua mãe, que teve um quadro grave de Covid-19. “Ela ficou internada por dois meses, entrou em coma e ainda tem sequelas. Desaprendeu a andar. Então, fico à disposição para fazer o almoço e ajudá-la a ir ao banheiro”, conta.

 

Nikolas ajuda a mãe, que teve Covid-19 e desaprendeu a andar.  — Foto: Arquivo pessoal

 

 

Ele é aluno de uma escola estadual de Belo Horizonte. Com os novos afazeres domésticos, tem mais dificuldade de acompanhar o ensino remoto.

 

“Os aplicativos já não funcionam. Não tem aula, só atividade remota, e é muita coisa para fazer em casa. A gente já não aprende, só faz lição, aí desisti deste ano. Não vou fazer mais nada on-line. Quando voltar para o presencial, eu retomo os estudos”, diz Nikolas.


Consequências da evasão


“A escola oferece também aprendizagem socioemocional. Junto com a família, ensina a conviver em sociedade, a ter foco, a não desistir diante de resultados negativos. Ter um jovem fora da escola é privá-lo de seu desenvolvimento pleno”, afirma Miskalo, do Instituto Ayrton Senna.

 

Laura Müller Machado, pesquisadora e professora do Insper, explica que a evasão escolar traz um impacto direto na renda do jovem. “Por não ter diploma, a remuneração tende a ser de 20% a 25% menor. Os que estudam menos também tendem a ter um nível mais baixo de qualidade de vida”, diz.

 

Uma pesquisa do Insper com a Fundação Roberto Marinho aponta que:

 

Sem concluir ensino médio, o jovem deve ganhar R$ 159 mil a menos ao longo da carreira, por ter mais dificuldade de encontrar emprego e maior probabilidade de ocupar atividades informais.


A expectativa média de vida pode cair de 77,1 anos (para quem concluir a educação básica) para 72,7 anos (sem terminar a escola). A remuneração melhor leva a moradias mais seguras e a serviços de saúde de qualidade, por exemplo.


A redução de 1 ponto percentual na evasão escolar pode evitar 550 assassinatos no Brasil por ano.


Problemas emocionais


Maysa Feitosa, de 17 anos, conta que a quarentena abalou ainda mais sua estrutura psicológica. “Tenho epilepsia desde os 7 anos, por causa de uma cirurgia que deu errado. Não consegui me desenvolver como os outros e sofro preconceito por isso até hoje”, diz ela, que estuda em Manaus.

 

Durante o período de isolamento social, Maysa teve mais crises de epilepsia, por causa da ansiedade. “A pandemia mexeu muito comigo. Fui criando um medo de sair de casa. Eu só pensava em desistir da escola”, afirma.

 

Maysa sofre bullying na escola. Com depressão e ansiedade, ela pensou em desistir dos estudos.  — Foto: Arquivo pessoal

Foto: Arquivo pessoal


Em Manaus, as aulas presenciais foram retomadas em agosto. Com a ajuda da terapia e da família, a jovem conseguiu voltar ao colégio. “Ainda passa pela cabeça desistir, porque sofro muito bullying; ficou mais difícil ir para a rua, foram muitas crises na quarentena. Mas estou melhorando”, conta.

 

Luciana Szymanski, professora na pós-graduação em psicologia da educação na PUC-SP, destaca que os problemas emocionais vividos pelos jovens estão sempre atrelados a questões mais amplas, como as condições em que vivem.

 

“O adolescente que é pobre, que tem acesso difícil à escola, vai sofrer. Pense em uma pessoa que não tem condições de ir a uma terapia, não tem plano de saúde, não é atendida pelo sistema público. Ela não se sente acolhida”, diz. “A pandemia traz uma crise econômica que aumenta a evasão, a desigualdade, a pobreza, o suicídio.”

 

Esforços para evitar a evasão


Machado, do Insper, destaca a importância de fazer uma busca ativa pelos alunos ausentes e de identificar as causas de abandono escolar ou evasão.

 

Marlova Noleto, da Unesco, acrescenta que os esforços para evitar as desistências devem ser coordenados entre as redes de ensino, as escolas e os pais dos estudantes.

 

Em São Gabriel, no Rio Grande do Sul, Laís Lourenço, de 17 anos, só não abandonou a escola porque tem o apoio da família.

 

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“Não estou entendendo as matérias, e isso só aumentou minha depressão. Em alguns anos, faltei muito no colégio. Não desisti ainda porque minha mãe é professora e não deixa. E também porque, com a onda do desemprego, não ter o ensino médio pode me atrapalhar muito. Mas vontade [de parar de estudar] é o que não falta”, conta.

 

Noleto destaca a importância de diminuir as desigualdades para evitar a evasão. "Precisamos melhorar o acesso ao ensino remoto, para não perder o vínculo, além de manter o cuidado emocional dos adolescentes." 


G1

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