Ex-prefeito e bispo licenciado da Igreja Universal depende de aprovação do país para, então, ser submetido a sabatina no Senado
O presidente Jair Bolsonaro encaminhou ao governo da África do Sul o nome do ex-prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella (Republicanos) para que ele assuma o posto de embaixador do Brasil no país.
A informação, revelada pelo Correio Braziliense e confirmada pela Folha por um integrante do governo, já causa mal-estar entre diplomatas, que veem a indicação como uma manobra em benefício do presidente.
O nome de Crivella ainda depende do aval do governo sul-africano, em processo que corre em sigilo. Portanto, não há confirmação oficial até a resposta do país anfitrião. Caso a África do Sul responda positivamente, a indicação será oficializada, e o ex-prefeito precisa passar por sabatina na Comissão de Relações Exteriores do Senado. A presidente da comissão, a senadora Kátia Abreu (PP-TO), informou que só comentará a indicação quando ela for oficializada.
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Crivella foi preso em 22 de dezembro, denunciado como chefe de um suposto grupo criminoso que teria instituído um esquema de cobrança de propina na prefeitura. Ele chegou a passar uma noite no presídio de Benfica, na zona norte do Rio, mas foi autorizado a cumprir prisão domiciliar no dia seguinte.
Após a denúncia, Crivella foi afastado da prefeitura até o fim de seu mandato. Candidato à reeleição com o apoio de Bolsonaro, ele perdeu a disputa para Eduardo Paes (DEM). Em fevereiro, a juíza Paula Fernandes Machado, responsável pelo plantão no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, expediu alvará de soltura do ex-prefeito. Segundo o tribunal, a magistrada atendeu decisão dada no dia anterior pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes.
Bispo licenciado na Universal do Reino de Deus (IURD) e cantor gospel, Crivella é filho de Eris Bezerra Crivella, irmã de Edir Macedo, líder da igreja, que é ligada ao partido Republicanos e controla a TV Record. Além de prefeito, ele também foi senador e ministro da Pesca durante o governo Dilma Rousseff (PT).
Nos anos 1990, Crivella morou na África do Sul, onde liderou a internacionalização da IURD. A igreja está no país desde 1992 e hoje atua em mais de 130 nações nos cinco continentes. Só no país em que o bispo licenciado pode se tornar embaixador, são cerca de 300 templos.
A Universal tem enfrentado problemas no continente africano, especialmente em Angola, onde vive desde o final de 2019 um racha, com rebelião de pastores angolanos contra o comando brasileiro da igreja.
Os religiosos rebelados assumiram o controle dos locais da IURD no país e a acusaram de praticar sonegação fiscal, entre outras irregularidades. O capítulo mais recente da crise ocorreu em meados de maio, quando 34 brasileiros ligados ao trabalho missionário da Universal receberam a notificação de autoridades em Luanda de que seriam deportados. Nove embarcaram para o Brasil em 11 de maio.
Na ocasião, o chanceler Carlos França convocou o embaixador de Angola em Brasília, Florêncio Mariano da Conceição e Almeida, para pedir explicações, gesto que, na linguagem diplomática, indica insatisfação. A ação de Angola irritou parlamentares evangélicos, que passaram a mobilizar o governo Bolsonaro. O recado foi dado em reunião da Frente Parlamentar Evangélica com França, no Itamaraty, em 17 de maio.
No encontro, o ministro das Relações Exteriores disse que daria atenção especial ao tema, mas que o Brasil não tem como se envolver em disputas judiciais em Angola sobre o controle dos templos.?
Antes, o governo já havia indicado apoio à Universal na disputa. Em julho do ano passado, Bolsonaro enviou uma carta ao presidente angolano externando “preocupação com os episódios” de “invasões a templos e outras instalações da IURD”. “Registram-se, ainda, relatos de agressões a membros da igreja, que, em certos casos, teriam sido expulsos das suas residências”, escreveu o líder brasileiro.
Ainda no final de 2019, o ex-chanceler Ernesto Araújo realizou uma viagem por cinco países africanos e defendeu a Universal na passagem por Angola. Lideranças evangélicas, entretanto, avaliam internamente que os esforços foram tímidos e que o país não recorreu a pressão política e econômica para fazer valer os interesses da igreja em território angolano.
Os evangélicos representam uma parcela importante do eleitorado bolsonarista, ainda que pesquisa Datafolha tenha identificado que Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estão empatados na preferência desse setor. O levantamento mostrou que, no primeiro turno da eleição, 35% dos evangélicos votariam em Lula. Bolsonaro marcou 34%. Num eventual segundo turno entre os dois, cada um receberia 45% das intenções de voto, ainda de acordo com a sondagem.
Bolsonaro tem se esforçado para não perder esse eleitorado. Na votação do Orçamento, o governo concordou em conceder a igrejas o perdão de dívidas tributárias —contribuições previdenciárias, PIS e Cofins— que totalizam R$ 1 bilhão, segundo cálculo do ano passado feito pelo Ministério da Economia.
Bolsonaro, porém, não pôde assumir oficialmente a autoria do benefício. Na ocasião, afirmou que teria de vetá-lo, alegando que poderia passar por um processo de impeachment por desrespeito à LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e à LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). Assim, pediu ao Congresso que derrubasse o veto. Na Câmara, os vetos foram derrubados em uma votação em bloco com outros dispositivos que faziam parte de um acordo, como itens do pacote anticrime, da Lei de Falências e da LDO.
A proposta que beneficiou as entidades religiosas foi de autoria do deputado David Soares (DEM-SP) e inserida em um projeto de lei sobre a resolução de litígios com a União. Ele é filho do pastor RR Soares, fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus, uma das devedoras.
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Bolsonaro também prometeu escolher um nome "terrivelmente evangélico" para assumir a vaga no STF que será aberta em 5 de julho, com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello. Embora o presidente ainda não tenha batido o martelo, o nome mais forte na bolsa de apostas é o de André Mendonça, titular da AGU (Advocacia-Geral da União). Ele é pastor da Igreja Presbiteriana Esperança de Brasília?.
Fonte: Folha de São Paulo