25 de Abril de 2024 - Ano 10
NOTÍCIAS
Geral
30/10/2020

Menina de 13 anos morre ao dar à luz. Entenda exploração sexual infantil

Foto: Reprodução

Menina se dizia "casada" com homem 28 anos mais velho. O relacionamento, aprovado por família e amigos, resultou em uma gravidez, mas ela morreu no momento em que deu à luz e caso se espalhou rapidamente pelas redes sociais. A situação não é isolada, send

 Uma menina de 13 anos, moradora do município de Uruará (Pará), sudeste paraense, morreu no último sábado (24) ao dar à luz. Ela havia engravidado de um homem de 41 anos, identificado como Francinaldo Moraes. Nas redes sociais, a jovem declarava ser "casada" com ele.

 

Ambos compartilhavam mensagens e fotos juntos, alegando que mantinham uma "relação" desde 2019, quando a menina tinha 12 anos. Independentemente do consenso da família, de acordo com o artigo 217-A do Código Penal, é crime de estupro de vulnerável "ter conjunção carnal ou praticar ato libidinoso com menor de 14 anos". A pena para o crime inafiançável varia de oito a 15 anos de reclusã


Silvia Chakian é promotora de Justiça do Grupo Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (GEVID) do Ministério Público do Estado de São Paulo. Ela explica que o caso não é raridade. “Está longe de ser exceção no nosso país e escancara uma das mais graves e devastadoras violações de direitos humanos contra meninas no Brasil, que se expressa por meio do abuso sexual e da exploração sexual”, diz.

 

Veja também

 

Jovem é agredida com tapas no rosto por policial militar. VEJA VÍDEO

 

Menina de 4 anos morre atingida por raio em praia de Rio das Ostras, no RJ

 

Conforme a publicação local O Liberal, a Polícia Civil de Uruará informou que a jovem morreu em um município vizinho, por complicações da gestação e que o caso foi tramitado para a cidade para ser apurado por lá. As investigações estão em fase inicial e ainda não há mais detalhes sobre o paradeiro de Francinaldo.

 

Advogada e professora de Direito, Luciana Temer está à frente do Instituto Liberta, que visa enfrentar a exploração sexual de crianças e adolescentes. Ela explica que a “moeda de troca” em caso como esses, é a menina oferecer o papel de esposa e dona de casa, por exemplo. Sendo explorada para cumprir um papel que não é de uma menina. Luciana levanta o problema do casamento infantil no Brasil, que é o quarto país com maiores índices de meninas casadas.

 

“Nos últimos meses, somente no município de São Paulo, 84 meninas de até 14 anos deram à luz. Meninas grávidas com menos de 14 anos não são um problema só do Pará. Qualquer relação de um adulto com uma menina de menos de 14 anos é estupro pelo código penal. Ora, se você teve 84 meninas dando à luz, você teve 84 casos de estupro”, explica.

 

Setasc realiza ações de combate ao abuso e à exploração sexual infantil - O  Documento

 

Ela reforça que os profissinais da Saúde que atendem essas pacientes, devem tratar os casos como violência sexual. O que raramente ocorre. “Tem um descompasso enorme entre o código penal e a sociedade, que não trata isso como estupro”, completa.

 

Marie Claire entrou em contato com duas tias da menina e, também, com a mãe. Somente uma das tias respondeu até o fechamento do texto, alegando que, por morar em outro estado (Amazonas), não saberia informar exatamente o que havia ocorrido. A mãe vem recebendo diversos ataques nas redes sociais desde que o caso viralizou. Ela, que celebrava o “casamento” e gravidez da filha nos comentários das postagens da menina, tem que lidar, agora, com a morte da filha e com o ódio da internet.


“Não dá para culpar essa mãe. A culpa é da sociedade, é nossa. Quando a gente vai parar de responsabilizar a mãe? Temos que responsabilizar um comportamento social”, continua Luciana.

 

Tanto Silvia quanto Luciana reforçam que nossa legislação contribuiu abertamente para a banalização desse tipo de violência. “Era permitido o casamento de menores de 16 anos até o ano passado. E, apesar da mudança, vale deixar claro que a legislação resolve apenas parte pequena do problema, a do casamento formalizado, e não a questão da convivência informal”, explica Silvia, que completmenta: “Posso assegurar que atribuir toda a carga de culpa pelo ocorrido a essa mãe revela desconhecimento de como se dá a reprodução das relações desiguais no nosso país. Assim como as expectativas de gênero criadas ao longo de séculos de patriarcado, onde ainda se acredita que sair do subjugo do pai para passar ao subjugo do marido seja o melhor destino para uma menina, principalmente uma menina pobre”.

 

Nas redes sociais, o homem que alegava ser casado com a menina de 13 anos publicou mensagem de luto sobre a perda da “mulher”. Ele lamentou a morte e disse que irá amá-la eternamente. Francinaldo deletou o perfil no Facebook após a repercussão do caso. “Você foi a melhor esposa, amiga, companheira!”, escreveu.

 

“O homem violento não é um louco, psicopata. É uma violência estrutural. A gente fica reforçando esse estereótipo, quando, na verdade, a violência é cotidiana, gerada por uma cultura. Eles são criados desta forma. A gente precisa entrar a fundo nessa questão”, analisa Luciana.

 

O Brasil é o quarto país com mais casamentos infantis no mundo. No país, 36% da população feminina se casa antes de completar 18 anos. Levantamento do Banco Mundial, divulgado em 2015, aponta que o número de matrículas de meninas no ensino secundário (parte do ensino fundamental e todo o ensino médio) e o coeficiente de emprego das mulheres são mais altos onde a idade legal para elas se casarem é 18 anos ou mais. “Níveis educacionais mais baixos devido ao casamento infantil também podem afetar a capacidade da mulher de conseguir emprego”, revela o relatório.

 

A menina de 13 anos que foi abusada pelo pai, engravidou e morreu após o  parto - BBC News Brasil

 

Segundo a Unicef, no mundo, cerca de 650 milhões de mulheres se casaram antes do fim da adolescência. Uma em cada cinco meninas está casada antes de completar 18 anos. Em média, são 23 por minuto.

 

Ao lembrar desses dados, Luciana conta um caso que ocorreu em São Paulo, do qual tomou conhecimento durante conversas com professoras da rede pública de ensino. “Elas falaram do desespero de perder alunas. Quando uma menina de 12, 13 anos, começa a 'namorar' com um homem de 40, o cara tem ciúmes e não deixa mais ela ir para a escola. A professora conversou com a mãe, que deu graças a deus que a menina 'arrumou um homem para tomar conta dela."

 

A menina de 13 anos que foi abusada pelo pai, engravidou e morreu após o  parto - BBC News Brasil

Fotos: Reproduções

 

Ela explica que vivemos em um ciclo de miséria e violência, que se arrasta pela sociedade e culmina na naturalização de casos como a exploração sexual infantil. "Falar de mulheres adultas é muito importante, mas estamos enxugando gelo. Precisamos puxar nosso olhar para meninas”, reforça.

 

Ambas pontuam que meninas nessas condições podem recorrer ao aborto legal e seguro. Impor a uma criança ou adolescente, que engravida em decorrência de estupro, a obrigação de levar a gestação até o fim é negar acesso a um direito garantido desde 1940 na legislação. “Além de reduzir a humanidade e dignidade dessas meninas”, diz Silvia.

 

Para avançar nessa questão, Luciana e Silvia acreditam que a única solução é uma profunda mudança estrutural, de cultura, pensamento e com a aplicação correta das leis. Luciana até questiona por que, vez ou outra, um caso como o do Pará se populariza, levando em consideração que meninas sofrem exploração sexual diariamente - e morrem. Ela pede por mais oportunidades para meninas, que famílias empoderem suas filhas e que parem de criar filhos meninos com base em violência. “O estupro é muito mais 'sutil' do que a violência com uma arma apontada na cabeça. É do cotidiano”, completa.

 

Entre 2014 e 2018, registrou-se no Brasil que pelo menos 1.284 meninas e 73 meninos menores de 15 anos se casaram, prática que foi proibida expressamente apenas em março de 2019 com uma alteração no Código Civil.

 

Embora fosse crime sob o Código Penal ter relações sexuais com menores de 14 anos, o casamento de menores de 16 caso essa menor estivesse grávida não era crime até março de 2019.

 

Desde março de 2019, o casamento de menores de 16 anos é proibido no Brasil. Já adolescentes entre 16 e 18 anos podem se casar com autorização dos pais ou de um juiz. O que surpreende é que, até então, o texto do Código Civil permitia o casamento com menores de 16 em casos de gravidez e também para evitar pena pelo crime de estupro de vulnerável.

 

Curtiu? Siga o PORTAL DO ZACARIAS no FacebookTwitter e no Instagram.

Entre no nosso Grupo de WhatsApp.

 

Na verdade, desde 2005, a extinção de pena com o casamento já não estava mais prevista no Código Penal, mas o texto seguia no Código Civil. Ou seja: até 2005 o adulto que cometesse estupro de vulnerável tinha respaldo da justiça para não ser punido pelo crime caso se casasse com a vítima.

 

Marie Claire

LEIA MAIS
DEIXE SEU COMENTÁRIO

Nome:

Mensagem:

publicidade

publicidade

publicidade

publicidade

publicidade

Acompanhe o Portal do Zacarias nas redes sociais

Copyright © 2013 - 2024. Portal do Zacarias - Todos os direitos reservados.