25 de Abril de 2024 - Ano 10
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30/07/2019

O que dizem documentos oficiais sobre a morte de Fernando Santa Cruz

Foto: Comissão da Verdade São Paulo/Divulgação

O presidente Jair Bolsonaro vem questionando, desde ontem, a morte do pai do atual presidente da OAB, Felipe Santa Cru

Um dia depois de ironizar o desaparecimento do pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, o presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta terça-feira (30) que não existem documentos oficiais que descrevam como Fernando Santa Cruz desapareceu em 1974.

 

“Nós queremos desvendar crimes. A questão de 1964, não existem documentos se matou, não matou, isso aí é balela. (…) Você quer documento para isso, meu Deus do céu. Documento é quando você casa, você se divorcia. Eles têm documentos dizendo o contrário?”, disse.

 

O presidente questionou, ainda, a veracidade dos documentos produzidos pela Comissão Nacional da Verdade, criada pela ex-presidente Dilma Rousseff. “Você acredita em Comissão da Verdade? Você acredita no PT?”, questionou.

 

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A fala de Bolsonaro, no entanto, pode ser contestada por diversos documentos, disponíveis para acesso de qualquer cidadão, no site do Arquivo Nacional e da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, vinculado ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.


No site do Arquivo Nacional, há mais de 330 registros de documentos que citam o nome de Fernando Santa Cruz. Eles vão desde arquivos sigilosos produzidos por órgãos brasileiros no período da ditadura (1964-1981) até recursos impetrados por sua mãe, Elzita Santos de Santa Cruz, que, na época, buscava o paradeiro de seu filho.

 

De acordo com um registro oficial e sigiloso do Ministério da Aeronáutica, datado de 22 de setembro de 1978, Fernando Santa Cruz foi preso em 22 de fevereiro de 1974, no Rio de Janeiro.

 

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Documento produzido pelo Ministério da Aeronáutica sobre Fernando Santa Cruz
Documento produzido pelo Ministério da Aeronáutica sobre

Fernando Santa Cruz (Foto: Arquivo Nacional/Reprodução)

 

Esse documento foi produzido apenas quatro anos depois de sua prisão, mas pouco mais de dez dias depois de o nome de Fernando Santa Cruz ter sido incluído em uma lista de 49 desaparecidos elaborada pelo Comitê Brasileiro de Anistia e divulgada pelo Jornal do Brasil, em 9 de setembro de 1978.

 

Três dias depois, em 12 de setembro de 1978, o diretor da Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça, Juarez de Deus Gomes da Silva, envia uma carta ao Chefe do Gabinete do Ministério da Justiça, Walter Costa Porto, solicitando um esclarecimento sobre a lista de desaparecidos.

 

Em relação a Fernando Santa Cruz, o chefe do MJ escreve, de forma vaga, que ele “encontra-se na clandestinidade”.

 

Nota do Ministério da Justiça sobre desaparecimento de Fernando Santa Cruz

Nota do Ministério da Justiça sobre desaparecimento de Fernando

Santa Cruz (Foto: Arquivo Nacional/Reprodução)

 

Em 14 de dezembro de 1979, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos enviou ao Brasil um pedido de paradeiro de Fernando Santa Cruz.

 

Registrado em espanhol, o pedido afirma que o desaparecido “tinha ido passar o feriado de carnaval no Rio de Janeiro, direito concedido por seu trabalho e foi preso em Copacabana, nas últimas horas da tarde do dia 22 de fevereiro de 1974”. Junto com Fernando, também foi detido seu colega Eduardo Collier Filho.

 

O documento registra, ainda, que em 13 de março de 1974, os familiares de Fernando receberam uma ligação, anônima, afirmando que ele havia sido transferido do Rio para São Paulo e estava detido no DOI-CODI, um órgão subordinado ao Exército, de inteligência e repressão do governo brasileiro durante a ditadura.

 

Trecho do relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre desaparecimento de Fernando Santa Cruz


Trecho do relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre

desaparecimento de Fernando Santa Cruz (Foto: Arquivo Nacional/Reprodução)

 

O documento relata que, depois de receber a informação, a família de Fernando viajou até São Paulo para conseguir informações. A visita, no entanto, foi em vão — apesar de haver indícios de que ele estava, de fato, detido no DOI paulista.

 

O relato completo da peregrinação da mãe do desaparecido está em uma carta enviada ao chefe da Casa Civil, general Golbery Couto e Silva, em 27 de maio de 1974.

 

“Motivados por informações recebidas, fomos a São Paulo, no dia 14 de março, ao DOI do II Exército, situado à Rua Tomás Carvalhal, onde ocorreu o seguinte incidente: recebidas pelo carcereiro de plantão, que atendia pelo nome ou alcunha de ‘marechal’, o mesmo anotou os nomes de nossos filhos e após uma ausência de meia hora, retornou o referido funcionário na ocasião, comunicando que ‘hoje não é dia de visitas para Fernando e Eduardo’; em virtude de nossa insistência foi declarado que os nossos filhos ali se encontravam presos, mas que só poderiam receber visitar no domingo próximo, após as 10 horas. Apesar disso se dispuseram a receber e entregar sacolas contendo roupas e objetos de uso pessoal. A convicção de que realmente eles estavam presos no local, tornou-se absoluta quando o carcereiro, ao receber o nome de Fernando Augusto de Santos Cruz, completou-o acrescentando o último sobrenome, Oliveira, sem que lhe fosse fornecido”, relatou a mãe do desaparecido.

 

Logo em seguida, ela continua: “No domingo, ao comparecermos ao DOI, certos de que nos avistariamos com nossos estimados filhos, como o prometido, formos comunicados por um funcionário que atendia pelo nome de Dr. Homero, que Fernando e Eduardo ali não se encontravam, tratando-se tudo de um ‘lamentável equívoco’, ocasião em que foram devolvidas as sacolas”. Leia na íntegra a carta da mãe de Fernando.

 

Depois desse episódio, os presos nunca mais foram vistos. No Arquivo do DOPS/SP, na ficha de Fernando consta: “Nascido em 1948, casado, funcionário público, estudante de Direito, preso no RJ em 23/02/74”.


O Relatório do Exército de 1993 contém apenas a qualificação de Fernando e sua militância na APML e o Ministério da Marinha informa que “foi preso no RJ em 23/02/74, sendo dado como desaparecido a partir de então”. Quanto a Eduardo Collier, seu nome aparece no Arquivo do DOPS/PR na gaveta identificada com a palavra “falecidos”.

 

Em 2012, no livro “Memórias de uma guerra suja”, o ex-delegado do Dops Cláudio Guerra diz que o corpo de Fernando foi incinerado no forno de uma usina de açúcar em Campos (RJ).

 

Atestado de óbito


Cinco dias antes da fala do presidente Jair Bolsonaro, em 24 de julho de 2019, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, vinculada ao governo, emitiu uma retificação de atestado de óbito de Fernando Santa Cruz, reconhecendo que sua morte ocorreu “em razão de morte não natural, violenta, causada pelo Estado Brasileiro”.

 

Segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, ao qual a Comissão é vinculada, o atestado de óbito foi emitido pela Comissão e está “em trâmite o encaminhamento de petição da família ao cartório”.

 

“Caso o assento seja retificado até a data de 26 de agosto de 2019, a Comissão planeja entregar a Certidão à família nesta data, na cidade de Recife/PE”, diz a nota da assessoria de imprensa da pasta.

 

No atestado de óbito, também consta que Fernando Santa Cruz morreu provavelmente no dia 23 de fevereiro de 1974, no Rio de Janeiro.

 

Atestado de óbito Fernando Santa Cruz emitido pelo governo Bolsonaro

Atestado de óbito Fernando Santa Cruz emitido pelo governo Bolsonaro Atestado de

óbito Fernando Santa Cruz emitido pelo governo Bolsonaro(Foto: C. Especial

sobre Mortos e Desaparecidos Políticos/Reprodução)

 

O ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos também reforça que “Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira foi reconhecido como desaparecido político no ato de publicação da Lei 9.140, de 04 de dezembro de 1995, em seu Anexo I, linha 41” e que “sua família foi indenizada por meio do Decreto 2.081 de 26 de novembro de 1996”.

 

Histórico


Com a declaração desta manhã, é a terceira vez em dez dias que o presidente da República ataca a memória de vítimas da ditadura militar no Brasil.

 

Em um café da manhã com jornalistas estrangeiros no último dia 19, ele afirmou que a jornalista Miriam Leitão foi presa quando estava indo para a Guerrilha do Araguaia e que mentiu sobre ter sido torturada.

 

Miriam foi militante do PCdoB, onde atuou em atividades de propaganda, e nunca se envolveu na luta armada. Ela foi presa e torturada, grávida, aos 19 anos, no 38º Batalhão de Infantaria em Vitória.

 

Bolsonaro tem um longo histórico de defesa da tortura e da ditadura militar. Ao votar pelo impeachment de Dilma Rousseff, o então parlamentar fez uma homenagem a Carlos Brilhante Ustra, que comandou o Doi-Codi de São Paulo, centro de tortura durante a ditadura.

 

Em entrevista à rádio Jovem Pan em junho de 2016, o então deputado federal disse que “o erro da ditadura foi torturar e não matar”.

 

Em maio de 1999, na TV Bandeirantes, Bolsonaro disse que na ditadura “deviam ter fuzilado uns 30 mil corruptos, a começar pelo presidente Fernando Henrique, o que seria um grande ganho para a Nação”. 

 

Revista Exame

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