Em sete anos, número de áreas de risco mais que dobrou em Manaus
*Por Lúcio Carril - Caminho sóbrio tombando entre postes sem iluminação. Piso no asfalto molhado e buracos famintos permanecem cheios de água. O vigia dorme. A criança agoniza sobre o papelão e sob jornais se protege da chuva que cai.
O apito toca silencioso nos ouvidos dos operários que dormem nos ônibus, sonhando com bife a cavalo, batatas fritas e a sobremesa. A cidade começa a arder sob nuvens carregadas.
Não amanhece; a lua cheia não é de sangue, mas o sangue corre agitado com os passos cansados da mulher que vai a padaria.
O menino caminha para a escola e ouve, solitário, seu lamento pela falta de merenda escolar; mais um dia de fome, pensa.
O prefeito dorme na sua luxuosa mansão e seu ronco é um discurso de barriga cheia. O buraco do asfalto já saciou sua sede e aguarda faminto a primeira roda a ser consumida.
O lixo nas calçadas deixa escorrer o chorume que circula nas veias do corrupto. Amanheceu. A noite não esconde mais a tristeza na escuridão.
*Lúcio Carril é sociólogo, especialista em gestão e políticas públicas pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo e ex-secretário executivo de Política Fundiária do Estado Amazonas.