O autoritarismo é uma ameaça ao processo civilizatório
*Por Lúcio Carril - As novas tecnologias da informação e, em particular, as mídias sociais revelaram um Brasil escondido nas casas, nas ruas e no cinismo das pessoas: um Brasil do preconceito, da violência sexual e do racismo.
É este Brasil que fez emergir uma candidatura de extrema direita e dela se fez orgulhosa, levando uma horda de trogloditas aos governos federal e estaduais.
Mas nosso país não é só isso. Não é a plena expressão do mal. Tem um outro lado também. No entanto, o que me preocupa é o lado sombrio.
O Brasil sempre esteve dividido em muitas partes, mas tem parte que é um todo em si, tipo aquilo que Marcel Mauss chamava de Fato Social Total.
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Essa parte que defende os sentimentos das trevas compõe um todo que sempre existiu no nosso meio e que alguns autores insistiram em camuflar, talvez à procura de um Brasil coeso, como se isso fosse possível.
O sociólogo Lúcio Carril
(Foto: Reprodução)
Nunca existiu democracia racial, por exemplo, mas existiu uma tentativa de passar a ideia de um país quase perfeito, onde o antagonismo de classe era secundário e não determinante dos conflitos existentes.
A democracia burguesa é isto e somos levados a pensar assim. Mas é neste campo que travamos a disputa e não podemos esconder a realidade. Queremos um Brasil unido como nação, mas essa unidade se dará na diversidade e não na supressão dela. É preciso reconhecer as partes que existem, sem tornar uma parte aniquiladora das demais.
É preciso que a sociedade se manifeste, impedindo que a parte mais tacanha da direita tome conta do país e imponha um fratricídio. É necessário uma tomada de posição em nome da democracia e da sobrevivência do Brasil como nação e berço da pluralidade.
O que houve na Bienal do Livro é inconcebível e uma grave ameaça ao processo civilizatório. A censura é a arma inexorável do autoritarismo e seu alcance não tem medida. Hoje ataca os livros, mas logo em seguida serão alvos seus criadores. E de forma galopante atingirá toda a manifestação artística e cultural.
O problema mais grave nessa manifestação e nas ações autoritárias e fascistas é, justamente, a parte que serve de base de apoio, incrustada no tecido social. Se as outras partes que condenam a supressão das liberdades políticas, do livre pensamento e da livre criação não forem para o embate, este país voltará a ser área execrável da política mundial. Já estamos a caminho dessa realidade. É preciso dar um basta.
*Lúcio Carril é sociólogo e especialista em gestão e políticas públicas pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.