O Brasil alinha-se aos EUA na guerra para reformar instituições financeiras e comerciais, que, na visão americana, dão vantagens indevidas a países como Índia e China
Ao abrir mão de seu status de “país em desenvolvimento” na OMC (Organização Mundial do Comércio), o Brasil se arrisca a criar um precedente e perder outros tipos de vantagens concedidas a essas nações.
Entre as consequências poderiam estar o fim da isenção unilateral de tarifas em exportações, pelo SGP (Sistema Geral de Preferências), do direito a acordos parciais de comércio com outros países em desenvolvimento e de parte dos empréstimos do Banco Mundial.
Na visita do presidente Jair Bolsonaro (PSL) a Washington, entre 17 e 19 de março, o governo conquistou o apoio dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o clube dos países ricos.
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Em troca, o Brasil começará a abrir mão de seu “tratamento especial e diferenciado” na OMC, que dá ao país maiores prazos em acordos comerciais e outras flexibilidades.
O Brasil alinha-se aos EUA na guerra para reformar instituições financeiras e comerciais, que, na visão americana, dão vantagens indevidas a países como Índia e China.
Um dos principais objetivos dos EUA é acabar com a possibilidade de países se autodefinirem como “em desenvolvimento”. Os americanos propõem que países que são membros ou estão em processo de acesso à OCDE, além de membros do G20, não possam se autodeclarar nesse status.
O Brasil tem bastante a perder com essa graduação de países, segundo especialistas ouvidos pela Folha.
Tecnicamente, abrir mão do tratamento especial na OMC não tem grandes efeitos práticos no curto prazo.
O Brasil vem usando pouco esse instrumento e, na última grande negociação, de facilitação de comércio, em 2013, renunciou à flexibilidade em quase todos os compromissos —usou apenas para estender alguns prazos.
No entanto, o Brasil pode abrir um precedente e passar a receber tratamento de “país rico” em outros aspectos.
Um dos exemplos é o SGP, por meio do qual países desenvolvidos concedem de forma voluntária isenção tarifária ou redução de sobretaxas sobre importações de países em desenvolvimento.
O programa é unilateral, não exige reciprocidade, como ocorreria em arranjos entre países ricos, e foi idealizado para estimular o desenvolvimento de países pobres.
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O Brasil perdeu o acesso ao SGP da União Europeia em 2014 —exportava € 5 bilhões (R$ 21,75 bilhões) com o benefício. Para os EUA, o país exporta cerca de US$ 4 bilhões sem tarifas ou com sobretaxas reduzidas por meio do SGP, renovado até 2020.
“O Brasil abriu mão de algo concreto por uma promessa de Trump [de apoio na OCDE], apoio para algo que não vai se concretizar em quatro anos, nem se sabe o que vai acontecer daqui a quatro anos”, diz Monica de Bolle, diretora.
Folha de São Paulo