26 de Abril de 2024 - Ano 10
NOTÍCIAS
Internacional
15/09/2018

Estrelas estrangeiras estremecem a dança do ventre no Egito

Foto: Laura Boushnak / NYT

Críticos dizem que russas e ucranianas corrompem uma antiga forma de arte

Quando policiais disfarçados no Egito invadiram uma boate de luxo no Nilo e prenderam uma dançarina do ventre russa, o foco da investigação era sua fantasia — e o que, se é que havia algo, estava por baixo dela.

 

A dançarina era conhecida como Johara, cujo vídeo havia se tornado uma sensação da noite para o dia, mas a polícia queria saber se ela estava usando os “shorts” adequados. Eles eram do tamanho certo? A cor apropriada? Ou ela, como alguns temiam, não usava nada por baixo da roupa? Johara, cujo nome real é Ekaterina Andreeva, 30 anos, insistiu em sua inocência, mas ainda assim a polícia a levou para a prisão.


Diplomatas russos fizeram uma visita. Seu empresário e seu marido em Moscou pressionaram. Em sua cela suja, Andreeva fez uma apresentação improvisada para uma dúzia de companheiras de prisão, a maioria prostitutas e traficantes.

 

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— Aquelas mulheres me trataram muito bem. Elas me pediram para dançar e todas dançamos juntas.

 

Conhecida como Johara, dançarina do ventre Ekaterina Andreeva faz perfomance

em casamento no Cairo (Foto: Laura Boushnak / NYT)


Depois de três dias, parecia que ela seria deportada. Mas no último minuto, um misterioso cavaleiro branco interveio — um homem de negócios líbio com conexões poderosas, ela foi informada — e Andreeva foi libertada. Foi um drama digno da dança do ventre, uma forma de arte secular que há muito tempo causa intrigas internacionais. Durante a Segunda Guerra Mundial, espiões alemães se misturaram com oficiais britânicos no cabaré de Madame Badia; na década de 1970, bailarinos se apresentaram para presidentes americanos.


Nas últimas décadas, a dança do ventre inspirou brigas conflituosas entre os egípcios, que a veem, ao mesmo tempo, como arte de alta qualidade, entretenimento picante ou uma desculpa para a arrogância moral. Mas a situação de Andreeva também destaca uma questão bastante delicada: se o Cairo é a capital global da dança do ventre, por que as novas estrelas vêm de todos os lugares, exceto do Egito?


Em um casamento em um luxuoso subúrbio do Cairo, Alla Kushnir rebolava na pista de dança. Homens jovens de smoking, sorrindo largamente, subiam uns sobre os outros para ter uma visão melhor da dançarina do ventre. Meninas em vestidos de festa corriam atrás dela, imitando seus movimentos. Um grupo de mulheres em uma mesa de canto aplaudiu em aprovação.


— Vir para o Egito era o meu sonho — disse a ucraniana, de 33 anos.


As estrangeiras dominaram as principais cenas de dança do ventre no Egito nos últimos anos — americanas, britânicas e brasileiras, mas especialmente vindas do Leste Europeu. Elas levam uma sensibilidade atlética e sensual, mais dançante do que as Mil e Uma Noites. Suas performances arrebatadoras contrastam com o estilo lânguido e sutilmente sugestivo das estrelas egípcias clássicas. Algumas são abertamente sexuais.

 


Participantes de workshop de dança do ventre no subúrbio do Cairo

em fevereiro de 2018 (Foto: Laura Boushnak / NYT)
 

Alla Kushnir, que cresceu na cidade portuária de Nikolayev, sonhava em ser arqueóloga, mas se formou em direito. Em 2010, apareceu em um programa de TV, “Ukraine's Got Talent”, com uma extravagante performance de dança do ventre, um trampolim para uma nova carreira. Acabou se mudando para o Cairo, a Broadway da dança do ventre, onde se tornou uma verdadeira estrela. Às vezes, se apresenta cinco vezes por noite em casamentos luxuosos e festas chiques, onde os artistas de primeira linha podem ganhar US$ 1.200 ou mais. Um de seus vídeos tem 9 milhões de visualizações no YouTube.

 

A última rainha do Egito

 

Os puristas lamentam a invasão estrangeira, que chamam de farsa cultural. Eles acusam as forasteiras de atropelarem a herança árabe em busca de lucro e impulsionarem a dança em uma direção impetuosa. E algumas estrelas estrangeiras concordam.


— Em muitos casos, nos falta a nuance, a sutileza e a graça dos egípcios — afirmou Diana Esposito, graduada em Harvard, que foi para o Egito em 2008 com uma bolsa de estudos e continuou sua carreira na dança do ventre.


Esposito, ou Luna do Cairo, lembra que ainda há milhares de dançarinas egípcias. Mas a maioria está nos degraus mais baixos da indústria — cabarés decadentes perto das pirâmides ou armadilhas para turistas no Nilo.


— Parece que a dançarina egípcia é uma espécie em extinção, o que é muito triste — disse Esposito, que recentemente voltou para o Brooklyn. — Triste para a arte. Triste para o Egito.


Mesmo assim, a dança egípcia ainda tem uma rainha indiscutível — uma dançarina que por unanimidade está acima de todas as outras. Lenda em todo o Oriente Médio, Dina Talaat Sayed dançou para príncipes, presidentes e ditadores em uma carreira de quatro décadas.


— Ah, sim, Kadafi — disse, com um sorriso irônico, recordando o ditador morto na Líbia. — Homem engraçado. Muito engraçado.


Sayed também sabe tudo sobre a relação conflituosa dos egípcios a respeito de sua profissão.

 

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— Amor e ódio, sempre foi assim. Os egípcios não podem ter um casamento sem uma dançarina do ventre. Mas se uma delas se casar com alguém da família, oh meu Deus, isso é um problema.


O estigma é parte de um puritanismo que sufocou as artes no país nas últimas décadas. Agora, até mesmo o indício de um beijo é proibido nos filmes, as letras das músicas são higienizadas e os vigilantes morais perseguem artistas nos tribunais. Uma cantora pop, Shyma, está definhando na prisão sob a acusação de “incitar a devassidão” por um vídeo sexualmente sugestivo. Em 2015, uma dançarina do ventre foi impedida de disputar às eleições porque “não tinha boa reputação”, declarou um juiz.


— Os egípcios veem uma dançarina egípcia como prostituta — afirmou Bassem Abd El Moneim, empresário de Andreeva. — Mas uma estrangeira pode ser uma estrela.

 

O Globo

 

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