17 de Maio de 2024 - Ano 10
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Mulher
02/07/2018

Faculdade chinesa ensina 'como ser uma mulher perfeita' na Era Xi

Foto: Yuyang Liu / Washington Post

Em regime de disparidade de gêneros, curso mostra como se submeter aos homens

Em uma faculdade no Sul da China, Duan Fengyan está estudando para ser contadora. Ela também assiste a aulas sobre como ser mulher na era do presidente Xi Jinping.


Em um curso que começou em março, não muito tempo depois de a China abolir o limite do mandato presidencial, a Faculdade Zhenjiang e a Federação das Mulheres da China passaram a ensinar as estudantes sobre como se vestir, servir chá e se sentar corretamente — tudo em nome da "nova era" de Xi.


— Você deve sentar-se na frente de dois terços da cadeira. Não pode ocupar a cadeira inteira — explicou Duan, de 21 anos, demostrando. — Agora, encolha a barriga, relaxe os ombros, pernas juntas e ombros para cima.


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A aula, oferecida somente para estudantes mulheres, tem o objetivo de desenvolver jovens "sábias", "ensolaradas" e "perfeitas", onde a sabedoria venha do estudo da História e da cultura chinesas; a iluminação da pintura a óleo e das aulas de etiqueta; e a perfeição na aplicação de (pouca) maquiagem.


O Partido Comunista quer mulheres educadas, sim. Mas, com crescimento econômico desacelerado e a população encolhendo, está trazendo de volta a ideia de que os homens são os chefes de família e que as mulheres são, em primeiro lugar, esposas e mães. Está ensinando às mulheres jovens que esta é a norma.

 

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A faculdade lançou a Escola de Mulheres da Nova Era para atender à demanda por educação na cultura tradicional chinesa, para ajudar mulheres a competir no mercado de trabalho, contou Sheng Jie, que dirige o programa — mas também para prepará-las para tarefas domésticas.


— O papel da mulher na família é mais importante agora — afirmou Sheng.


Quarenta anos após a grande transformação econômica da China, as mulheres chinesas são, em média, mais saudáveis, mais ricas e mais instruídas do que nunca, mas estão perdendo terreno em relação aos homens.


Desde que começou o mandato de Xi, a classificação da China no índice global de diferenças entre gêneros do Fórum Econômico Mundial caiu significativamente — do 69º lugar entre 144 países, em 2013, para 100º em 2017.

 


Na era de Xi-Jinping, faculdade chinesa ministra curso de "como ser uma

mulher" para aprender a sentar corretamente e servir chás (Foto: AFP)


Os principais quadros do país não parecem preocupados. O partido quer que as mulheres sejam educadas, mas está preocupado que mulheres instruídas decidam não se casar com homens e ter filhos, aumentando o excedente de homens causado pela política de filho único e potencialmente desestabilizando o país.


— A direção do futuro é que as mulheres devem desempenhar o papel de esposa e mãe em casa — disse Leta Hong Fincher, autora de "Traindo o Grande Irmão: O despertar feminista na China".


Embora esse pensamento tenha existido por pelo menos uma década — principalmente em mensagens sexistas sobre casamento —, o programa de Zhenjiang parece ser o primeiro curso universitário sobre virtude feminina durante a Era Xi.


— De acordo com a cultura tradicional, as mulheres devem ser modestas e ternas, e o papel dos homens é trabalhar fora e sustentar a família — explicou Duan. — Eu quero ser um modelo para meus filhos.


Disparidade de gênero aumentou sob Xi


Em seus primeiros cinco anos no poder, Xi se denominou como um defensor dos direitos das mulheres, declarando, em um discurso em uma cúpula das Nações Unidas sobre mulheres, que igualdade de gênero é uma "grande causa".


Mas suas palavras foram minadas pela política atual. A China deteve cinco jovens feministas e impôs restrições a ativistas LGBT.

 

Xi não fez progresso significativo em conseguir que mais mulheres chegassem aos mais altos níveis de liderança, nem se concentrou em remediar as diferenças salariais entre homens e mulheres. Seu mandato tem atuado menos em pressionar pela igualdade do que em promover uma visão de “lares harmoniosos” com um pai trabalhador e uma mãe virtuosa que cuida de crianças e idosos.


O partido insiste que isso reflete os valores confucionistas no centro da cultura chinesa. Os críticos argumentam que a cultura muda e que a China deve olhar para frente, e não para trás.


— Nossa cultura tradicional está repleta de restrições, e da opressão a mulheres — constatou Lu Ping, uma feminista chinesa que administrava um site recentemente censurado. — Devemos levar as mulheres de volta aos papéis tradicionais?

 


Na faculdade de Zhenjiang, jovens aprendem a ser 'belas, recatadas

e do lar' (Foto: Yuyang Liu / Washington Post)


As pessoas estão tentando. No ano passado, foi noticiado que uma empresa no Norte da China tinha uma “escola de cultura tradicional” onde as mulheres eram orientadas a “calar a boca e fazer mais tarefas domésticas” e praticar reverências a seus maridos. “Não lute quando você for espancada.

 

Não fale mal quando for repreendida. E, não importa o que aconteça, não se divorcie”, disse uma professora do local em um vídeo publicado pela Pear Video, de Pequim. “As mulheres devem ficar no nível mais baixo da sociedade e não aspirar a mais”, afirmava outra.


Quando a história se tornou viral, autoridades locais disseram que a mensagem violava “valores centrais socialistas” e pediram uma investigação. Mas Feng Yuan, uma ativista de Pequim contra a violência doméstica, disse que o foco na virtude da mulher persiste e é promovido.


— No momento, nós só vemos a ênfase no papel da mulher na família — disse ela. — Nunca há ênfase no papel dos homens.


O curso foi criado pela Federação de Mulheres da China e é supervisionado por mulheres. As estudantes são todas mulheres e não há curso equivalente para os homens.


'Boas notas não são suficientes'


Li Ziyi, uma jovem de 19 anos, contou ter aprendido anos atrás que, para mulheres, boas notas não são suficientes.


— Quando eu estava no ensino médio, minha professora disse que o vestibular é o único exame justo na sua vida, porque não olha para o seu rosto — revelou ela. — Sim, homens bonitos têm uma vantagem, mas a sociedade ainda tem uma exigência maior para as meninas.


Sua colega de classe Wang Caidie, de 18 anos, estudante de enfermagem, explicou que as enfermeiras são aconselhadas a usar "maquiagem leve" para parecerem profissionais, enquanto os colegas de classe não recebem instruções do tipo.


— Mesmo antes de entrevistas de emprego começarem, nós prestamos mais atenção em como nos sentamos, como nos levantamos. Essa é a nossa vantagem em comparação com aquelas que não comparecem a essas aulas — disse Duan.


Sheng, a diretora do programa, se recusou a falar muito sobre os direitos das mulheres — ela disse que é professora, e não feminista. Seu objetivo é ensinar às jovens o que elas precisam saber, e dessa maneira, ajudar a nação como um todo.


— O país está enfatizando a cultura tradicional, por isso estamos oferecendo cursos — informou. — Esta é uma nova era. A História está se movendo em uma direção melhor.

 

O Globo

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