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Internacional
20/06/2018

Papa enfrenta desafio de manter popularidade na América Latina

Foto: Andreas Solaro / AFP

Avançdo da lei do aborto na Argentina, perda de fiéis no Uruguai e escândalo de pedofilia no Chile são obstáculos para a Igreja no continente de Francisco

O sorriso fácil, o discurso claro e a simplicidade do Papa Francisco já não cativam mais o público como antes. No sul da América Latina, uma sucessão de polêmicas está obrigando o Pontífice a jogar na defensiva.

 

No fim de semana, definiu o aborto como “nazismo com luvas brancas”, em resposta à aprovação, há uma semana, da prática pela Câmara dos Deputados de seu país, a Argentina.

 

A lei ainda precisa de aprovação do Senado para entrar em vigor. No Chile, após os escândalos de pedofilia envolvendo o clero, aceitou a renúncia de três bispos. No Uruguai, onde menos de metade da população é católica, luta para estancar o êxodo de fiéis.

 

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Em um levantamento realizado em 18 países da América Latina no ano passado, o instituto Latinobarómetro constatou que a nota média atribuída ao Papa na região é 6,8. No Brasil, ele tem sua segunda melhor avaliação (8), perdendo apenas para o Paraguai. As nações que mais contestam sua imagem são o Chile, onde consegue apenas 5,3 pontos, e Uruguai (5,9).

 

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Em média, 65% dos 3.200 entrevistados declararam confiar na Igreja Católica. Os países em que a instituição obteve o pior resultado foram Argentina (55%), Uruguai (41%) e Chile (36%).

 

Coordenador do Núcleo de Fé e Cultura da PUC-SP, Francisco Borba Ribeiro Neto destaca que os três países têm registrado um notável aumento da população que diz não ter crenças religiosas. Também são nações que, ao contrário do resto da América Latina, identificam-se mais com a cultura europeia do que a americana.

 

— Isso significa que a divisão entre conservadores e progressistas é maior do que nos países vizinhos e, por isso, a avaliação do Papa é mais contundente — explica. — A Igreja precisa lidar com uma crise existencial, abordando valores como a liberdade e ética na vida afetiva e sexual. Se não conseguir debater estes assuntos, continuará perdendo espaço.

 

Os emissários enviados pelo Papa ao Chile explicam esta semana o funcionamento do escritório que receberá queixas de abuso sexual no clero, sendo responsável por determinar a veracidade das queixas e o atendimento às vítimas, que poderão receber uma indenização financeira. Para Borba, a medida não acalmará a população do país, que recebeu a visita do papa no início do ano com uma séria de protestos.

 

— A Igreja chilena está varrendo os escombros de uma casa que está desabando para depois edificar outra. O processo de recuperação da confiança dos fiéis será lento — pondera. — Por anos os bispos apoiaram os padres pedófilos, e o Papa, quando foi informado sobre a prática, fez uma carta duríssima expressando seu descontentamento.

 

 

Joaquín García-Huidobro, professor do Instituto de Filosofia da Universidade de los Andes, acredita que o Papa aproveitará a renúncia dos bispos denunciados para promover uma mudança geracional na cúpula do clero chileno.

 

— A crise de credibilidade da Igreja acentuou o processo de secularização da sociedade — revela o filósofo, que não se surpreende com o fato de que seu país é o mais crítico ao Papa na América Latina. — Os chilenos, especialmente aqueles mais ligados à direita, olham com desconfiança para a região. Mas acredito que a maioria da população ama Francisco, e que suas medidas para reformar a Igreja estão sendo bem recebidas.

 

Na Argentina, embora tenha passado meses pregando contra o projeto de lei que legalizaria o aborto, a Igreja não convenceu levar para o seu rebanho a maioria dos deputados. A proposta foi aprovada na Câmara por apenas quatro votos de diferença e revelou a profunda divisão da sociedade sobre o tema.

 

Doutor em Direito e Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires, Roberto Bosca avalia que a Igreja vive hoje seu ponto mais baixo na História do país.

 

— A perda de influência se manifesta no poder político e na sociedade civil. No governo, o setor cultural é pragmático e representa uma classe média católica conservadora que contrasta com o estilo do Papa, que aprofundou o discurso social cristão — avalia.

 

Em seus cinco anos à frente do Vaticano, o Papa argentino já visitou seis vezes a América Latina, mas não pisou na terra natal, o que provoca estranhamento e arranha sua popularidade.

 

— Ninguém sabe por que o Papa não quer visitar a Argentina, é um mistério. Acho que ele procurou o melhor momento e não o encontrou. Em geral, a população está com raiva porque vê a ausência de Francisco como um sinal de desprezo — conta Bosca.

 

 

 

No Uruguai, onde o Pontífice também não aterrissou, a legalização do aborto foi aprovada em 2012, e da maconha, no ano seguinte. A Igreja Católica protestou contra as medidas, mas sua voz é abafada em um país onde 37% da população se declara ateia, agnóstica ou diz não ter crença — em nenhum outro país latino-americano este percentual passa de 20%. Apenas 28% dos uruguaios consideram que a religião é muito importante em suas vidas.

 

José Maria Ramos, professor de Economia e Relações Internacionais da Fundação Armando Alves Penteado (Fap), sublinha que no Uruguai predomina a visão da separação entre Estado e Igreja. A legislação permissiva ao uso da maconha e a prática do aborto é um marco sobre a resistência do poder público aos ideais defendidos pelo Vaticano.

 

 

— Vemos em toda a América Latina que a postura da sociedade é de questionamento, e não aceitação, às bandeiras defendidas pelo clero. Enquanto isso, a postura da Igreja é que ela não deve se adaptar aos tempos, e sim que os tempos devem se adaptar a ela — assinala.

 

Integrante do Comitê Diretor do instituto Voces Católicas Uruguay, Patricia Schroeder reconhece que o catolicismo é visto com ressalvas por parte da população, mas assegura que a religião em breve viverá dias melhores.

 

— Há muito preconceito em relação à Igreja, considerada uma instituição onde predomina o “não” e o “é proibido”. Se as pessoas perderam a confiança, é porque não conseguimos nos comunicar corretamente — admite. — A separação entre Igreja e Estado restringiu a vida religiosa à esfera privada. No entanto, hoje o catolicismo está presente em muitos projetos educacionais. Espero que o Papa venha em breve para cá, mas sabemos que isso depende de sua ida à Argentina.

 

O Globo

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