26 de Abril de 2024 - Ano 10
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18/07/2017

‘Vaidade de Lula piorou com o passar do tempo’, diz biógrafo britânico de ex-presidente

Foto: AFP

Ao assumir a presidência, Lula pode ter tido menos "pessoas que o desafiavam" ao seu redor do que tinha como líder sindical, afirma Bourne

O acadêmico britânico Richard Bourne não fala pessoalmente com Lula há alguns anos, mas acompanha com preocupação e alguma surpresa as notícias sobre a primeira condenação do ex-presidente no âmbito da Lava Jato.


Bourne conviveu com Lula no final de seu primeiro mandato, quando escreveu o livro Lula of Brazil: The story so far ("Lula do Brasil: a história até agora", em tradução livre), e diz que a "vaidade" e a personalidade dominante" do líder petista contribuíram para deixar o partido e o legado de seu governo em uma situação difícil diante de sua perda de prestígio.


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"Acho que há um problema com a dominância que Lula tem no partido há tanto tempo. É difícil para que outros cresçam. O partido sofre de uma 'imagem de um homem só', o que é a antítese dos seus próprios ideais mais progressistas", disse em entrevista por telefone.

 

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"Com uma personalidade dominante, sempre há o perigo de se cercar apenas de pessoas que digam sim. Acho que, no início do PT, havia vozes diferentes e pessoas que desafiavam Lula.

 

Acho que, quando ele se tornou presidente, isso se tornou um problema. Talvez não tenha havido pessoas suficientes dizendo: 'Lula, você está cometendo um erro, precisa ir numa direção completamente diferente'."


Segundo o biógrafo, o ex-presidente continua sendo alguém que "consegue iluminar um palanque", mas cuja popularidade pode ter contribuído para um sentimento de invulnerabilidade - que ajudaria a explicar não só uma "tolerância à corrupção" como sua intenção de se candidatar novamente à presidência em 2018.


"Lula certamente alguém vaidoso e isso piorou com o passar do tempo. Uma das piores coisas da morte de Marisa é que não há mais uma pessoa para desinflar um pouco essa vaidade e mostrar a ele o que ele deveria estar fazendo."


"Ele deveria ter pensado melhor em outras maneiras de usar seu capital político em favor do país (após deixar o poder)", afirma.


Chefe 'improvável'

 

Em setembro de 2016 Lula foi denunciado formalmente pela primeira vez

no âmbito da Lava Jato (Foto: Reprodução)


Há um ano, Bourne disse que, em sua opinião, Lula foi "conivente com a corrupção" durante seu governo. Mesmo assim, a condenação de Moro no processo do tríplex do Guarujá lhe causou surpresa.


"Eu não imaginava Lula como esse chefe de um grande esquema de corrupção, como foi sugerido. Isso não quer dizer que eu não acho que ele possa ter se beneficiado de alguma forma, mas essa ideia de que ele era esse grande manipulador, como dizem os procuradores, não parecia provável", diz.


"Eu ainda acho que Lula foi conivente com o sistema corrupto e minha percepção de sua história sugere que ele foi muito relaxado em relação à corrupção. Acho que ele estava tolerando a corrupção a seu redor e não fez perguntas suficientes."


Em setembro de 2016, procuradores do Ministério Público Federal (MPF) denunciaram formalmente Lula pela primeira vez no âmbito da Lava Jato, afirmando que ele era o "comandante máximo do esquema de corrupção" na Petrobras e "o verdadeiro maestro dessa orquestra criminosa".


Na semana passada, o juiz Sergio Moro condenou Lula nove anos e seis meses de prisão por corrupção no julgamento em que era acusado de receber um apartamento no Guarujá (SP) em troca da promoção de interesses da empreiteira OAS junto à Petrobras.


Em sua sentença, no entanto, Moro não menciona a acusação do MPF de que Lula seria o articulador do esquema. Mais além, diz que é "forçoso reconhecer o mérito" do governo petista "no fortalecimento dos mecanismos de controle", citando medidas como o fortalecimento da Controladoria-Geral da União (CGU), investimentos na Polícia Federal (PF) e a independência do Ministério Público Federal.


Após o elogio, o juiz diz que Lula "subestimou a possibilidade" de que esse reforço nos meios de controle pudesse "levar à descoberta de seus próprios crimes".

 


Para acadêmico inglês, mulher de Lula, falecida em fevereiro de 2017,

ajudava a "desinflar sua vaidade" (Foto: AFP)


Apesar das críticas de perseguição feitas a Moro e aos procuradores do MPF pela defesa de Lula, Richard Bourne acha que o sistema Judiciário brasileiro "está operando muito bem, e melhor do que o sistema político".


Mesmo assim, ele vê na condenação uma tentativa de impedir a consolidação de Lula como favorito à Presidência nas próximas eleições.


"Um dos objetivos dos procuradores ao ir atrás de Lula é retirá-lo da corrida presidencial. E isso já teve um sério impacto dentro do Brasil e internacionalmente. Muito da imagem que ele tinha já está danificado. É triste."

 

Lula certamente alguém vaidoso e isso piorou com o passar do tempo

 

Bourne demonstra preocupação, também, com o que diz ser "uma abordagem menos rígida da corrupção no governo Temer do que houve com Lula".


"Acho que há perguntas muito sérias (sobre o envolvimento de Temer com esquemas de propina) e fico triste de ver que a Comissão de Constituição e Justiça do Congresso votou para proteger Temer. Espero que, quando a situação vá para o plenário, ele seja suspenso do cargo."


Concessões


Na época em que o britâncio escreveu sua biografia, Lula era famoso mundialmente como "o cara", nas palavras do então presidente americano Barack Obama.


Durante uma reunião do G20, em abril de 2009, Obama afirmou que o brasileiro era o "político mais popular da Terra".

 

Era o auge da popularidade de Lula, mesmo após o escândalo do Mensalão - no qual seriam condenados dois de seus principais "homens fortes" no PT, o ex-ministro José Dirceu, e o ex-presidente do partido, José Genoíno.


Para Bourne, esse é um dos momentos decisivos para o ex-presidente, em que a posição pode ter subido a sua cabeça.

 

Em alguns momentos na presidência de Lula a sua posição

pode ter subido a cabeça (Fotos: Reprodução)


"Acho que em determinado momento ele pode ter se sentido invulnerável porque, não só no partido como no mundo, ele era tão forte. Ele tinha viajado o mundo e o Brasil, tinha sobrevivido a diversas derrotas eleitorais", avalia.


"Acho que ele sentiu que conseguiria manipular a situação e lidar com o sistema político brasileiro. É uma pena. Ele poderia ter feito muito mais para melhorar a natureza pouco representativa do Congresso."


`Aquela altura, segundo o biógrafo, Lula já havia "desistido de algumas batalhas" para chegar à Presidência.


"A 'Carta ao Povo Brasileiro', por exemplo, é um abandono do seu tipo inicial de socialismo. Quando ele foi eleito finalmente, ele já não queria problemas por tudo, estava pronto a fazer concessões."


As concessões, principalmente as alianças com antigos inimigos políticos, foram consideradas por muitos uma traição aos ideais do partido, e também deram início ao sentimento de que o PT havia se tornado "mais um" no jogo que prometeu mudar.

 


Lula será lembrado por combate à pobreza, mas poderia ter feito mais,

de acordo com Richard Bourne (Foto: Fergus Noone)


Até o momento de sua primeira eleição, em 2002, Lula criticava duramente o ex-senador do PMDB e ex-presidente José Sarney e chamava sua família de "mentirosa".

 

Oito anos depois, no final de seu segundo mandato, Sarney o acompanhava pessoalmente no voo que o levaria a sua casa, em São Bernardo do Campo, para a festa de despedida organizada pelo PT.


Em 2013, ao receber, juntamente com Sarney, a medalha Ulysses Guimarães, Lula parabenizou o ex-presidente por seu "comportamento digno" no comando do país.


"Eu acho que para chegar a presidente da República, as pessoas têm de estar preparadas para saber que não são donas do país, são apenas donas de um mandato que tem tempo de validade, hora de chegada e hora de saída. E foi assim que o senhor se comportou", disse.

 


Ciro Gomes, do PDT chamou de concessões de Lula ao PMDB 

como exemplo de "moral frouxa" (Foto: Reprodução)

 

Em entrevistas e palestras concedidas entre 2015 e 2016, o ex-governador do Ceará e ex-ministro Ciro Gomes, do PDT, também citou as concessões de Lula ao PMDB e a outros partidos de centro-direita durante o governo como exemplo do que ele chamou de "moral frouxa" do ex-presidente.


Para Bourne, as alianças de Lula são parte importante do que o fez chegar ao poder, mas também podem ajudar a explicar sua implicação em escândalos de corrupção.


"Parte de seu talento como chefe de sindicato que é que ele negociava com todos e não havia inimigo que ele não pudesse transformar em amigo. Isso é um talento, mas também, talvez, algo que o tenha levado a fazer concessões que não deveria ter feito."


"Mas não acho que ele traiu completamente os ideais do partido", pondera o biógrafo. "Ele, afinal, teve iniciativas como o Bolsa Família e outros, que certamente ajudaram os mais pobres."


Nostalgia


Bourne diz que a candidatura de Lula em 2018 seria "um erro para ele e para o país", mas acredita que, se concorrer, ele ainda pode ser eleito, mesmo após o golpe em sua imagem causado pelas acusações na Lava Jato.


As chaves para sua volta ao Palácio da Alvorada, diz o britânico, seriam seu carisma e a imagem que seu governo ainda evoca do "Brasil que daria certo".

 

As chaves para Lula voltar ao Palácio da Alvorada seriam

seu carisma e imagem (Foto: Reprodução)


"Lula ainda é bastante popular entre certos setores da população brasileira, é claro, mas em certo sentido, muitas pessoas estão quase nostálgicas de um momento em que o Brasil parecia um lugar mais feliz e mais importante no mundo.

 

E elas acham que ele conseguiria isso de novo", afirma.


"Mas acho que, se Lula conseguir ficar fora da prisão, faria mais sentido que Lula usasse seu carisma para apoiar um candidato que valesse a pena, talvez alguém mais talentoso do que Dilma."


Uma pesquisa qualitativa encomendada pelo jornal Valor Econômico e divulgada fevereiro de 2017, indica que a "saudade" do otimismo econômico da era Lula pode, de fato, atrair votos para o ex-presidente - mesmo dos eleitores que se afastaram do PT após os escândalos de corrupção.


No final do último mês de junho, uma pesquisa do Datafolha mostrava que, apesar de ter o maior índice de rejeição entre os possíveis candidatos num primeiro turno, Lula ainda venceria na maioria dos cenários projetados.


"Falava-se que, quando Bill Clinton entrava em uma sala, todos instantaneamente se conectavam a ele. Lula é esse tipo de pessoa, alguém que consegue iluminar um palanque. Ele é um homem do povo, de fato. Isso não era atuação para ele, é como ele é. Esse sempre será o seu apelo", avalia o biógrafo.

 


Em primeiro plano, Lula e Sarney, observados por Dilma Rousseff,

em evento de 2009 (Foto: Getty Images / Evaristo Sa)


"Mas ele é uma pessoa pouco disciplinada, que não usava seu tempo de maneira muito eficiente quando presidente. Gostava de encontrar as pessoas, mas provavelmente não era muito bom na parte mais chata e administrativa."


História


O bordão "nunca antes na história desse país" foi uma das marcas da retórica de Lula desde 2002, alvo de paródias feitas por admiradores e detratores.


Em outubro de 2016, num artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, intitulado "Por que querem me condenar", Lula diz confiar "que cedo ou tarde a Justiça e a verdade prevalecerão, nem que seja nos livros de história."


A obsessão do ex-presidente com o reconhecimento futuro chegou a ser medida pelo jornalista Ali Kamel, da TV Globo, no livro Dicionário Lula - Um Presidente Exposto Por Suas Palavras.

 

Ao analisar 1.554 discursos de Lula, Kamel encontrou bordões como "nunca antes na história", "desde Cabral" e "desde a Proclamação da República" em 880 deles.

 

A obsessão do ex-presidente com o reconhecimento futuro chegou a ser medida

pelo jornalista Ali Kamel, da TV Globo (Foto: Reprodução)


Para Richard Bourne, Lula deverá ser lembrado como um presidente que fez transformações e abriu caminhos para o Brasil - mas que poderia ter sido melhor.


"Ele pode se orgulhar do que fez, especialmente no primeiro ano. Mas não é um homem atento aos detalhes, e não fez o suficiente pela educação brasileira, que tem problemas sérios. Ele podia ter feito mais, mas estava contra forças muito poderosas."


"Acho que, seja o que for que acontecer agora, em 50 anos os historiadores dirão: 'sim, Lula teve uma contribuição significativa no fim da ditadura militar, na maior participação do Brasil no cenário internacional, em ajudar os brasileiros mais pobres e em abrir a possibilidade de uma sociedade mais igualitária", conclui.

 

BBC Brasil

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