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Política - Eleições 2022
27/05/2022

A desistência de Doria enterra a terceira via, beneficiando ainda mais Lula e Bolsonaro

Foto: Reprodução

A mais sólida chance de o País ter uma alternativa à polarização política se dissipou na última semana com a desistência de João Doria. O ex-governador paulista abriu mão da disputa à Presidência após ter seu caminho bloqueado pela direção tucana, que ameaçava cortar as verbas para seu escritório político. Poucos dias antes, a Executiva já havia selado o destino da legenda ao optar pelo apoio à chapa conjunta com MDB e Cidadania, tendo a senadora Simone Tebet como cabeça de chapa. Doria, como previsto, declinou do posto de vice.

 

Foi um revés em uma carreira meteórica na política, que e o levou desde 2016 a se eleger a prefeito e governador e a vencer as três prévias que disputou no PSDB, inclusive para a Presidência. Essa ascensão se chocou com a cúpula partidária, que tentou minar sua candidatura desde o início e usou o pretexto da alta rejeição. A história desse surpreendente suicídio político com traições explícitas entrará para os anais da política brasileira, mas não é inédita.

 

O MDB já é um agrupamento de líderes regionais desde os anos 1990, e o próprio DEM, que foi o sócio conservador do PSDB nos anos 1990, diluiu-se no União Brasil em uma associação com o PSL, partido do baixo clero que elegeu Bolsonaro em 2018. A contraposição do PSDB e do PT, que marcou a redemocratização até 2018, acabou. É o fim de uma era. O bolsonarismo ocupou o espaço da centro-direita e da extrema direita. Passa a dividir o palco nacional com o PT, que permanece com ambição hegemônica na esquerda. Os algozes do PSDB operaram para submeter a legenda a essa lógica, apesar do discurso em contrário.

 

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As forças que se beneficiam da polarização também impediram que outros nomes se viabilizassem. Sergio Moro, que alcançou 15% nas pesquisas quando se lançou, deu um passo em falso ao se filiar ao União Brasil, que vetou suas pretensões. Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde que teve atuação destacada na pandemia, foi abatido pelo bolsonarismo e também pelo União, que deseja circunscrevê-lo ao Mato Grosso do Sul. O apresentador Luciano Hulk ensaiou se candidatar, mas optou pela carreira na TV. O PSD de Gilberto Kassab tentou emplacar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que achou mais seguro investir na atual cadeira abrigado pelo Centrão e numa aliança com o PT. Kassab tentou emplacar ainda o ex-governador gaúcho Eduardo Leite, que preferiu ficar no PSDB. Leite tentou se viabilizar unindo-se àqueles que minaram a candidatura de Doria até desistir e se voltar ao próprio estado, onde deve concorrer ao governo novamente. Ele tem sido sondado para ser o vice de Tebet, mas resiste, pois sabe que pode enfrentar o mesmo destino do paulista: ser rifado pelos próprios aliados.

 

Esse é o maior desafio que Tebet terá daqui para a frente. Apesar de ter sido avalizada pela Executiva do partido no dia 24 (no mesmo dia recebeu o endosso formal do Cidadania), nada indica que terá o apoio de fato da legenda. Nos bastidores, emedebistas dizem que ela tem um mês para decolar. A percepção é de que a senadora conseguiu ampliar num primeiro momento o arco de alianças internas em torno de seu nome, mesmo no Norte-Nordeste. Emedebistas citam, por exemplo, que o clã Sarney, que vinha sendo cortejado por Lula e se voltou a favor dela. Outras lideranças dessas regiões prometeram marchar ao lado dela, como os senadores Marcelo Castro, do Piauí, e Jarbas Vasconcelos, de Pernambuco. Presidentes estaduais do MDB fizeram o mesmo no dia 24. Mas outros caciques já apoiam Lula abertamente, como Renan Calheiros e Eunício Oliveira. E há dificuldade em palanques regionais. No Distrito Federal, Ibaneis Rocha assegura que fará campanha para Tebet. Ele, no entanto, terá em sua chapa Flávia Arruda, ex-ministra de Bolsonaro, como candidata ao Senado. O quadro se repete em diversos estados.

 

Desde os anos 1990, o MDB não caminha unido. Costuma abandonar seus candidatos e tudo indica que pode repetir a tradição mesmo que Tebet seja ratificada na convenção partidária. A legenda não deve impor represálias àqueles que embarcarem em outras candidaturas. “A tradição é ser tolerante, dada a diversidade intrapartidária”, confirma um deputado, sob reserva. Em outras siglas, como no União Brasil, a aposta é de que, apesar da fotografia positiva nos últimos dias, se Simone não deslanchar até o final de julho a candidatura não será homologada.

 

ÚLTIMO A CAIR

 

João Doria renuncia na segunda, 23: PSDB sem candidato

à Presidência pela primeira vez em 34 anos

 

Depois da reviravolta dos últimos dias, empresários e personalidades assinaram um manifesto pró-Simone Tebet, como Candido Bracher (ex-presidente do Itaú Unibanco), Pedro Wongtschowski (Grupo Ultra) e Wolff Klabin (presidente do conselho da Klabin). Economistas de passado tucano (como Armínio Fraga, Andrea Calabi e Eliana Cardoso) também subscreveram, assim como Elena Landau (organizadora do programa econômico de Tebet) e Affonso Celso Pastore (colaborador da pré-campanha de Moro). “Minha maior missão é pacificar o Brasil. Vamos falar mais do Brasil e menos de Lula e Bolsonaro”, disse a candidata. Mas é muito difícil que a senadora sul-mato-grossense consiga o consenso no mercado e na sociedade – e os líderes partidários sabem disso.

 

ADESÃO DE BOLSONARO 


Doria era o nome mais forte para ocupar o espaço de centro. O presidente do PSDB, Bruno Araújo, que liderou o desmanche da candidatura tucana, passou a defender uma aglutinação de outros candidatos pela terceira via, citando Luciano Bivar (União) e Ciro Gomes (PDT). As chances são praticamente nulas. Bivar foi o primeiro a anunciar o fracasso da terceira via e deve lançar sua candidatura na terça-feira, 31. Ciro Gomes, em sua quarta disputa presidencial, novamente concorre com o PT no campo esquerdista. Por isso, tem reforçado os ataques a Lula. Mas não deve com isso roubar os votos do petista nem converter simpatizantes de Bolsonaro.

 

 

A fragilidade da terceira via ocorre, antes de mais nada, porque as cúpulas partidárias preferem aderir a Bolsonaro e Lula, um movimento catalisado pelo bilionário fundão eleitoral. A própria aposta em Tebet serve para o MDB reservar os recursos obrigatórios destinados às mulheres (30% do total), liberando o resto do dinheiro para os caciques. As movimentações de Bivar e Kassab, articuladores do Centro, nunca foram de fato no sentido de apontar um nome que superasse Bolsonaro e Lula. Ambos sempre miraram as candidaturas próprias como uma forma de liberar os diretórios para optarem por Bolsonaro ou Lula. Para isso, é necessário que o nome escolhido passe uma imagem positiva à legenda, sem ser realmente competitivo. Prova disso é que o PSD tende a apoiar Bolsonaro no primeiro turno em 12 estados, e Lula em outros 9. E Bivar deve ser escanteado pelo próprio vice do seu partido na Bahia, ACM Neto, que concorre ao governo estadual. É o risco que Simone Tebet corre. Transformar-se em uma candidata decorativa.

 

Com a virtual implosão do PSDB, o País deixa de ter uma alternativa de fato. A reunião da Executiva que deve chancelar Simone Tebet foi adiada para a próxima sexta-feira, 2. E a escolha do senador Tasso Jereissati ou de Leite para a vice de Tebet traz mais combustível para a desagregação. O partido já avisou que não pretende financiar a candidatura da emedebista. Depois da investida contra a candidatura Doria, agora é o acordo com o MDB e Cidadania que é alvo daqueles que pretendem atrelar os tucanos ao bolsonarismo. Aécio Neves é o maior nome dessa ala. Para Marcus Pestana, pré-candidato tucano ao governo de Minas, a possibilidade de aliança com o MDB “é um caminho que vai levar o PSDB à morte. Vai caminhar para ser um partido pequeno qualquer, sem personalidade”.

 

DESAGREGADOR

 

Aliado de Arthur Lira e do Centrão, Aécio Neves foi

o arquiteto da implosão da candidatura tucana

 

Seja qual for o desfecho, o PSDB deve na prática enfrentar o encolhimento ainda maior da sua bancada e ter uma trajetória apenas coadjuvante no cenário nacional. E uma fusão com o MDB, de onde saiu para fugir do fisiologismo, não está descartada. A investida contra Doria pode acabar levando de roldão a última fortaleza tucana, o estado de São Paulo. O sucessor de Doria, Rodrigo Garcia, que tenta fortalecer uma imagem própria para disputar a reeleição, pode dar um tiro no pé ao se afastar do seu antecessor, como ensaia fazer. Não é possível usar as vitrines da gestão Doria sem citar o arquiteto de benefícios como a Coronavac. A convicção interna é de que, se não tiver um projeto nacional e perder São Paulo e Rio Grande do Sul, o partido terá acabado. Ao ceder na prática à polarização em nível nacional, o PSDB ainda se arrisca a reproduzi-la no âmbito regional, já que Rodrigo Garcia aparece atrás de Fernando Haddad (PT) e o ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos) nas pesquisas. Na prática, o PSDB foi consumido pelo bolsonarismo.

 

É uma volta ao passado. Enquanto o PT tenta reescrever a história criminalizado o próprio juiz da Lava Jato, setores militares se alinham a Bolsonaro e projetam se manter o poder até 2035, conforme o “Projeto de Nação, O Brasil em 2035”, apoiado pelos Institutos Villas Bôas, Sagres e Federalista e coordenado pelo general Luiz Eduardo Rocha Paiva,ex-presidente da ONG do coronel Brilhante Ustra. O centro sofre uma diáspora, e Lula e Bolsonaro triunfam.

 

A DUPLA DE UMA CHAPA EM FORMAÇÃO 


A guinada no PSDB pode não ter sido o capítulo final das negociações por um nome de consenso da terceira via. Quando decidiu abrir mão de sua candidatura, João Doria negociava com Michel Temer uma chapa que uniria o ex-presidente e o ex-governador paulista. Era o único arranjo em que Doria aceitaria o lugar de vice. O desenlace da última semana não enterrou essa possibilidade. Há nomes no entorno do ex-governador e personalidades da sociedade civil que veem a possibilidade de Temer despontar como um nome de consenso, tanto pela estatura nacional como pela habilidade de articulação, já que tem influência no MDB e nos partidos do Centrão. Além de ter presidido o País, Temer foi presidente da Câmara por três legislaturas.

 

Depois de deixar a Presidência em 2019, Temer ganhou protagonismo ao ajudar Jair Bolsonaro em sua “Carta à Nação”, quando o mandatário recuou das ameaças ao STF feitas no Sete de Setembro. Temer redigiu o documento, após ser convocado a Brasília. A peça trouxe tranquilidade em um momento de grande instabilidade institucional. Salvou Bolsonaro de uma tensão que ameaçava invadir o Congresso e levar a um possível processo de impeachment. Apesar de positivo, o desfecho também acendeu o alerta a Bolsonaro.

 

ARTICULAÇÃO 

 

Antes de desistir, João Doria negociava com Michel Temer:

aliados consideram que a dupla pode ser uma alternativa se

nenhum nome do centro se viabilizar (Fotos: Reprodução)

 

Em mensagem divulgada a aliados na última terça-feira em um grupo de WhatsApp, o presidente declarou que “Michel Temer será a terceira via, bem como teremos Alexandre de Moraes presidindo o TSE por ocasião das eleições. É uma luta do bem contra o mal”. Mensagens recentes de Temer no Twitter defendendo a “pacificação do País” já tinham alarmado os aliados do presidente. Acharam que ele se apresentava como alternativa contra a polarização. No mesmo dia, no entanto, Temer desmentiu. “Não sou o candidato da terceira via. Sou e sempre serei candidato a juntar os contrários em busca do bem comum”, divulgou. Aliados consideram que ele não quer se apresentar ao jogo, mas se posiciona à espera da evolução dos acontecimentos.

 

A negativa pode ser sincera, mas também demonstra a habilidade de Temer em escapar de armadilhas no jogo partidário. No imbróglio tucano, ele disse que Doria “realizou um extraordinário governo e revela, agora, desprendimento, praticando um gesto grandioso”. Também exaltou Simone Tebet e refutou que estivesse pleiteando o cargo. “Depois de tudo o que eu já fiz, posso dizer que isso não está no meu horizonte neste momento.”

 

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Enquanto acompanhava sua candidatura ser minada no próprio partido, Doria via em Temer uma alternativa de fato. Os dois conversavam com frequência. Um dia depois de anunciar a renúncia, o ex-governador encontrou o sucessor Rodrigo Garcia em um evento do Lide, quando voltou a pregar o diálogo e a falar em conciliação. Seu coordenador de campanha, Marco Vinholi, diz que o destino de Doria é voltar para a iniciativa privada, e “o projeto agora é 2026”. Outros aliados consideram que ele fez tudo certo, ao realizar uma boa gestão e vencer as prévias, mas não soube avaliar o timing de uma eventual mudança de planos. Em sua renúncia, Doria concluiu dizendo que “nunca abandonarei o Brasil”. Para vários políticos, seu papel nessas eleições não está encerrado. 

 

Fonte: IstoÉ 

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