O acidente que aconteceu com o médico Robson Siqueira pode ter sido motivado por mais um plantão exaustivo e atendimento de mais de 100 trabalhadores
O grave acidente ocorrido na tarde da última segunda-feira, 12, por volta das 17h, envolvendo o médico Dr. Robson Siqueira, expôs uma realidade preocupante vivida diariamente por centenas de profissionais que atuam na obra da Usina Termelétrica Azulão 950, localizada no município de Silves, interior do Amazonas.
Segundo informações apuradas por nossa equipe, Dr. Robson Siqueira, que desempenha suas funções médicas no ambulatório da empresa ELECNOR – responsável pela execução da obra –, havia encerrado um plantão exaustivo, atendendo mais de 100 trabalhadores apenas na segunda-feira, quando sofreu o acidente ao se deslocar para o município de Itapiranga, onde está alojado.
O veículo conduzido pelo médico, um Fiat Pulse fornecido pela empresa RHMED, colidiu frontalmente com um Fiat Argo em circunstâncias ainda não completamente esclarecidas, mas há suspeitas de que o acidente tenha sido provocado por exaustão física ou desvio de buracos na rodovia AM-363, conhecida pela falta de manutenção.
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Carro do médico foi parar quase no final
do barranco na rodovia AM 363
O médico foi socorrido e encaminhado inicialmente ao Hospital de Itapiranga, sendo posteriormente removido para Manaus, onde passou por uma série de exames no Hospital João Lúcio, incluindo tomografia e ressonância magnética. Ele sofreu diversas escoriações e desorientação no momento do resgate.
Fontes de dentro da obra, especialmente do setor de Saúde, Segurança e Meio Ambiente (HSE), denunciaram que o ambiente de trabalho da Azulão 950 é absolutamente insalubre e carente de estrutura mínima para atendimento digno aos quase 4 mil trabalhadores que se aglomeram no local.
Apesar do porte da obra, considerada uma das maiores do Brasil em geração de energia a gás para abastecimento do Linhão de Tucuruí, há apenas um médico disponível para atender toda essa demanda, em jornadas exaustivas e sem o suporte adequado de exames laboratoriais ou de imagem.
Dr. Robson Siqueira sofreu várias escoriações no rosto
Ainda segundo as denúncias, os profissionais da saúde, incluindo médicos, enfermeiros e técnicos, estariam sendo coagidos a não registrar as Comunicações de Acidente de Trabalho (CAT), mesmo diante de ocorrências diárias de dois a três acidentes envolvendo os operários. A omissão seria uma prática recorrente de setores superiores da gestão das empresas envolvidas, na tentativa de evitar notificações legais e responsabilidades trabalhistas.
Além das péssimas condições de trabalho, trabalhadores também denunciam a negligência sanitária no controle de doenças. Nos últimos dias, foram confirmados ao menos dois casos de varíola do macaco (Mpox) entre trabalhadores oriundos de outros estados, aumentando o risco iminente de uma epidemia que pode se espalhar pelos municípios de Silves e Itapiranga, cujos sistemas de saúde já estão colapsados devido à sobrecarga provocada pela população flutuante trazida pelas obras.
As denúncias vão além da saúde. Segundo trabalhadores indignados do próprio HSE, as empresas responsáveis – incluindo a gigante energética ENEVA, dona do projeto – não oferecem qualquer contrapartida em saúde, educação, infraestrutura, cultura ou lazer para os municípios afetados. A população local tem enfrentado aumento da criminalidade, incluindo furtos, roubos, aliciamento de menores e violência sexual, sem que haja qualquer medida efetiva de mitigação social por parte das empresas contratadas e subcontratadas.
A tentativa da gestão da obra de silenciar as denúncias tem gerado ainda mais revolta entre os profissionais que atuam no local. Muitos afirmam que os engenheiros e técnicos de segurança vêm tentando ocultar não apenas os acidentes de trabalho, mas também acidentes de trajeto, como o que vitimou o Dr. Robson Siqueira.
Após uma jornada com mais de cem atendimentos
o médico voltava para Itapiranga quando o carro caiu no
barranco (Fotos: Divulgação)
Procurados para se manifestar sobre o ocorrido, representantes das empresas envolvidas não atenderam às tentativas de contato até o fechamento desta matéria.
Diante da gravidade da situação, trabalhadores cobram a atuação urgente do Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Estadual, Conselho Regional de Medicina (CRM-AM), Conselho Regional de Enfermagem (Coren-AM), Vigilância Sanitária de Silves e Itapiranga, e da Vigilância Estadual do Amazonas para fiscalizar imediatamente as condições de trabalho e o risco sanitário de epidemia na Azulão 950.
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Ficam as perguntas: quantos ainda precisarão adoecer, sofrer acidentes ou perder a vida para que essa realidade seja enfrentada com a seriedade que merece? O silêncio das autoridades pode custar vidas. A pergunta que fica é: quanto tempo mais a negligência, a omissão e o descaso das empresas e dos órgãos fiscalizadores serão tolerados?