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Mulher
13/06/2021

Avós e tias relatam desafios de criar crianças que perderam mães em feminicídios

Foto: Reprodução

Anos após as tragédias, crianças que tiveram a mãe morta pelo pai ainda vivem com marcas da perda. Psicóloga orienta como lidar com o luto

Jacqueline dos Santos Pereira tinha 39 anos quando foi assassinada pelo ex-marido, Maciel Luiz Coutinho da Silva, 41 anos, em 6 de maio de 2019. Deixou três filhos, com 4, 10 e 18 anos, à época. Dois anos depois, o feminicídio ainda repercute no comportamento e na vida das duas crianças e do adolescente, que ficaram órfãos de mãe e pai.


A gari foi morta a facadas, na casa que morava, em Santa Maria. O homem fugiu do local pulando o muro da residência e, mais tarde, estacionou a moto em um acostamento e se jogou na frente de um ônibus.

 

Hoje, os filhos menores, de 6 e 12 anos, revezam-se em estadias na casa da avó – Lenita dos Santos, 59 anos, a quem coube a tutela deles –, e no imóvel onde cresceram, ocupado pelo irmão mais velho, de 20. Para a avó, criar os netos sem Jacqueline é “uma batalha”.

 

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“Ela era tudo na minha vida. Ter que aguentar essa dor e cuidar das crianças não é fácil. São dois anos que parecem que não passaram”, lamenta.

 

A tia, Tatiane dos Santos, 39 anos, relata que o ex-marido da irmã usava os filhos para vigiá-la. Pedia a eles que observassem Jacqueline e informassem todos os passos dela.


“Eles foram casados por 25 anos, mas ele só deu 20 dias de solteira para ela. Depois de 20 dias que ela pediu o divórcio, ele não aceitou e a matou dentro da casa que ela havia alugado”, narra a irmã. “Os dois pequenos estavam na escola e o mais velho, trabalhando. Quando ele a matou, eu fui buscá-los no colégio e dei a notícia. O pequenininho nem conseguiu falar nada”, lembra.

 

Embora nenhum dos três tenha presenciado o crime, a tia conta que vê diferenças no comportamento deles após a perda da mãe. “O pequenininho parece que nem cresceu. Ele fala que a mamãe vem buscá-lo, fala sozinho às vezes e diz que está com saudades”, relata.

 

“O [filho] do meio já contou que o pai perguntava – e eles eram obrigados a falar – onde ela estava, a que horas ela tinha saído… Meu sobrinho se sente culpado por isso. Eu expliquei a ele que eles não têm culpa, de forma alguma. Sempre digo que Jacqueline amava demais os filhos.”


Após o feminicídio, a família chegou a levar os caçulas para um psicólogo, mas poucas vezes. Hoje, Lenita e Tatiane querem voltar a pedir ajuda profissional. “Eles sabem que foi o pai quem matou a mãe e isso é muito difícil”, diz a tia.


“Ela era uma boa mãe. Quando eles faziam besteira, ela reclamava, brigava. Eu e a minha mãe sentimos que não podemos corrigir da mesma forma, é mais com palavras, pedindo. Então é difícil, mas vamos levando com o tempo”, desabafa Tatiane.


Filha pequena viu mãe ser morta


A pedagoga Isabella Borges de Oliveira, de 25 anos, também foi morta pelo ex-companheiro, há pouco mais de dois anos. Em 28 de março de 2019, Matheus Cardoso Galheno, de 22, tirou a vida da jovem, com quem tinha dois gêmeos de apenas 1 ano de idade. Depois, ele se matou.


Quem cuida das crianças atualmente é a irmã de Isabella. Rosana Borges de Oliveira, 50 anos, criou a irmã mais nova e a tinha como filha. “Eu deixei de ser a avó/tia dos meninos para ser a mãe deles”, diz.


A servidora pública conta que, até hoje, o processo da tutela dos gêmeos corre na Justiça. “Os pais do Matheus querem a guarda, mas eu também quero criá-los. Por enquanto, nós dividimos. Eles ficam comigo durante a semana, aí na quarta-feira vão para a casa deles e, a cada 15 dias, passam o fim de semana lá também”, pontua Rosana.

 

Isabella foi executada com um tiro, dentro de casa, no Paranoá. As duas crianças estavam na residência no momento do crime. Uma delas, com apenas um ano, chegou a presenciar o feminicídio. “Eu tirei o Heitor antes. A Lara estava no colo da mãe e viu, mas acho que não tinha o entendimento ainda”, conta.


“Levei numa psicóloga, mas ela falou que poderíamos esperar eles crescerem um pouco mais para fazer um acompanhamento.”

 

Agora, Rosana acredita que pode ser importante buscar uma nova assistência profissional. “Acho a Lara mais focada, mais atenta às coisas. Percebo que o Heitor tem uma ansiedade, mas não sei se é relacionada a essas questões”, descreve.

 

Hoje, os pequenos têm 3 anos e fazem diferentes atividades na escola. A ideia da tia é que eles tenham uma melhor socialização. “Procuramos dar uma educação precoce em uma escola infantil pública. E, em três dias da semana, eles vão para uma escolinha paga, que tem atividades como balé e jiu-jitsu”, comenta.


Segundo Rosana, a família sempre mostra fotos de Isabella para as crianças, para que eles lembrem positivamente da mãe. “Eu sempre digo que ela os amava, que tinha um apego muito grande”, conta. “Existem desafios, mas o amor que eu sinto por eles é completo. Se eu choro, eles falam: ‘Você está triste? Quer um remedinho para ficar melhor?’. Olhar para eles é imaginar como seria se ela estivesse aqui, então é difícil. Mas, quando eles falam assim, eu já melhoro”, desabafa.

 

Importância do diálogo


Conforme explica Suely Sales Guimarães, PhD em psicologia da saúde e desenvolvimento humano, especialmente nos casos em que o pai é o feminicida, a família envolvida precisa buscar atendimento psicológico, para dar a melhor assistência às crianças. “Amar é cuidar, ensinar e corrigir. A família precisa de orientação psicológica.”

 

A especialista reforça que a morte da mãe deve, sim, ser comentada com os filhos – mas com cautela. “Varia muito, de acordo com a idade e o desenvolvimento das crianças. É diferente, por exemplo, um bebê de 1 ano, que entende que a mãe desapareceu, e um adolescente de 16 anos, que sabe o que aconteceu, de fato”, comenta.

 

“Mas precisa ser falado, porque quando não se comenta, a criança vai desenvolver sozinha um pensamento a respeito do pai e da mãe. Assim, ela pode criar uma empatia com os atos do pai, buscando justificativa para o que aconteceu com a mãe”, assinala a psicóloga. “Por outro lado, é necessário mostrar que não há justificativa de violência por conta de qualquer comportamento da mãe. A criança deve entender que ninguém tem o direito de ser violento para expressar as próprias emoções”, acrescenta.


“A forma de falar vai depender da idade, mas esses princípios básicos da relação afetiva devem ser entendidos de maneira clara.”

 

Suely enfatiza que o acolhimento pelos familiares que irão criar os filhos da vítima é crucial neste processo. “Primeiro, a criança precisa aceitar a perda. É algo gradual, até ela se reconhecer como parte integrante da nova família, e se sentir aceita e amada. Isso também é muito importante para não desenvolver um sentimento de raiva, um comportamento mais agressivo”, destaca.

 

Outro ponto essencial é preservar a memória da mulher vítima do feminicídio. “Mostrar fotografias, lembranças, presentes, histórias, de modo que a criança mantenha a referência da mãe.”

 

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“A questão do pai, porém, não pode ser totalmente omitida. Se a criança traz o assunto, isso deve ser atendido. Não para ela criar um ódio de alguém, mas para entender que aquele comportamento não é normal, que o ato cometido pelo pai foi responsável por essa mudança radical na vida deles”, explica a psicóloga. 

 

Fonte: Metrópoles

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