Na última sexta-feira, o STF (Supremo Tribunal Federal) por unanimidade sepultou de uma vez por todas a "pseudotese" defensiva fundada em irreal legítima defesa da honra invocada pela defesa de homens autores de feminicídios. Antes de tecer quaisquer considerações relativas às nuances técnico-jurídicas que envolvem a derrubada dessa pífia argumentação, objeto de celebração nesse paradigmático mês de março que acontece em meio à pandemia da covid-19, importante se fazem observar algumas reflexões acerca dos aspectos sócio-históricos e culturais circunscritos na problemática.
Numa perspectiva história, pensar na construção da violência no Brasil significa pensar na forma como nosso país se consolida como território colonizado e expande suas bases territoriais simbolicamente se apossando de corpos de mulheres indígenas e negras, seja ao cometer o chamado estupro colonial ou as reiteradas mortes de mulheres como forma de reafirmação de costumes sociais. A lógica bandeirante impera e muitos nem concatenam sobre a etimologia do termo.
Ou seja, a violência contra a mulher se constrói a partir de uma dinâmica histórica de opressões e se consolida a partir de uma naturalização cultural, introjetada na sociabilidade contemporânea.
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Por óbvio, essa lógica de naturalização da violência atua numa dimensão micro e macrossistêmica, incidindo desde os pequenos grupos relacionais, ampliando e direcionando a forma como atuam sistemas de justiça, segurança pública, política, educação.
A massificação da cultura e tolerância à violência têm se sustentado a partir dos pilares estruturantes do machismo / racismo, que tem reproduzido a métrica das desigualdades.
Dessa forma, a contextualização dos dados históricos à luz das estatísticas, demonstram a constrangedora imagem do Brasil, como o país que ocupa a 5ª posição no ranking mundial daqueles que mais matam mulheres (cis) e é o 1º quando se consideram os feminicídios de mulheres travestis e transexuais!
Nesse cenário é importantíssimo considerar o papel das legislações enquanto regras normatizadoras a embasar as relações sociais, e de inúmeros sistemas outros, aptos a marcar esses espaços de exclusão e a caracterizar o racismo e machismo jurídico.
A soberania dos vereditos é direito fundamental na Constituição Federal porque guarda compatibilidade lógica e valorativa com a dignidade da pessoa humana. E afastar o argumento da "legítima defesa da honra" reforça a soberania do Instituto Democrático do Tribunal do Júri, não o oposto.
Na interpretação constitucional podemos ter conflitos apenas em tese de princípios e direitos. A vontade popular do Conselho de Sentença ganha em legitimidade e em democracia quando afasta um argumento contrário à dignidade da pessoa humana.
Fotos: Reproduções
A finalidade teleológica do Instituto do Juri é propiciar que o cidadão comum possa exercitar dentro de sua laicidade em relação à técnica jurídica, sua convicção do que entende por justo ou não, culpado ou não. Não integra, portanto, no escopo da finalidade de tal instituto, a sustentação de argumentação e narrativas que violem direitos e valores fundamentais, não comporta abrigo no ordenamento jurídico a utilização de argumentação que se valha de torpeza para justificar o direito de defesa de alguém.
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Dessa maneira, a decisão do STF declarou o que deveria ser óbvio: o direito de defesa é absoluto, conquanto não viole direitos de dignidade da pessoa humana, da onde parte o direito de defesa e que lhe é anterior; o direito inalienável de todo sujeito à defesa é garantido justamente porque a proteção máxima à sua dignidade a si é aprioristicamente conferida.
Fonte: UOL