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06/03/2023

Entenda como é o enfrentamento do trabalho análogo à escravidão no Brasil e no mundo

Foto: Reprodução

A persistência da prática da escravidão moderna no Brasil está relacionada à história de quatro séculos de escravagismo que vigorou no país, mas também às mudanças nas leis relacionadas ao Trabalho, sobretudo as da terceirização (Lei 13.429/2017) e a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17), ambas aprovadas durante o governo Michel Temer, que assumiu o comando do país depois de um golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, em 2016.

 

Há poucos dias, o resgate de 207 trabalhadores em situação análoga à escravidão que atuavam na safra da uva na Serra Gaúcha, no município de Bento Gonçalves (RS), desencadeou um intenso debate nacional sobre o tema. Os agricultores foram aliciados na Bahia e, após a fuga de dois deles, foi feita uma denúncia às autoridades gaúchas que deflagrou uma operação conjunta da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Polícia Federal (PF) e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) no dia 22 de fevereiro.


O caso que envolve vinícolas famosas, como a Salton, a Aurora e a cooperativa Garibaldi, infelizmente não é isolado. A Revista Fórum entrevistou o auditor-fiscal do Trabalho Renato Bignami, que atua em diversas áreas relacionadas com a promoção dos direitos fundamentais no trabalho desde 1996. "Todas essas situações vêm se repetindo em várias partes com uma frequência inquietante", atestou.

 

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Números da escravidão moderna no Brasil e no mundo


Bignami observa que um dos principais indicadores do sistema nacional de combate ao trabalho escravo é a quantidade de trabalhadores e trabalhadoras resgatados desde que a política foi criada, em 1995, que chega a 60.251. Os números estão disponíveis no Radar da SIT e mostram que, em 2022, foram 2.575 trabalhadores resgatados.

 

No mundo, os dados mais recentes são de um relatório (em inglês) divulgado em setembro de 2022 pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) que aponta que, em 2021, 49,6 milhões de pessoas viviam em situação de escravidão moderna (Isso significa que 1 em cada 150 pessoas vivendo no mundo). Desse total, 28 milhões de pessoas realizavam trabalhos forçados e 22 milhões estavam presas em casamentos forçados.

 

O documento da OIT mostra ainda que, em 2021, 10 milhões de pessoas a mais estavam em situação de escravidão moderna em comparação com as estimativas globais de 2016. Das 27,6 milhões de pessoas em trabalho forçado, 17,3 milhões são exploradas no setor privado; 6,3 milhões eram vítimas da exploração sexual comercial forçada e 3,9 milhões do trabalho forçado imposto pelo Estado.


De acordo com a entidade que integra o sistema da Organização das Nações Unidas (ONU), a escravidão moderna atinge praticamente todas as áreas da economia privada. Os cinco setores responsáveis pela maior parcela do trabalho forçado são: serviços (excluindo trabalho doméstico), manufatura, construção, agricultura (excluindo pesca) e trabalho doméstico.

 

Bignami atuou como especialista em segurança e saúde no Trabalho junto ao Escritório Regional da OIT para América Latina e Caribe e já ocupou diversos cargos de direção e coordenação dentro do Sistema Federal de Inspeção do Trabalho. Fundador e coordenador do Programa Estadual de Enfrentamento ao Trabalho Escravo do Estado de São Paulo, junto à Superintendência Regional do Trabalho em São Paulo, ele explicou que, a despeito dos avanços da sociedade internacional no combate à escravidão contemporânea, essa prática persiste.

 

Ele comenta que o capitalismo contemporâneo, com processos produtivos acelerados, acaba por negligenciar a classe trabalhadora em detrimento do lucro. A forma de organização das cadeias produtivas dispersa os locais de trabalho, o que dificulta a aplicação das leis trabalhistas.

 

O auditor lista ainda os baixos investimentos em educação de trabalhadores e trabalhadoras e a fartura de mão de obra com pouca qualificação como elementos que facilitam a prática da escravidão moderna. "A pandemia só piorou esse quadro, por toda a devastação que ela causou", pontuou. (leia a entrevista completa ao final desta matéria).

 

Bolsonaro atuou em favor da escravidão moderna


Não bastasse a Lei da Terceirização e a Reforma Trabalhista de Temer, a chegada de Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto, em janeiro de 2019, piorou ainda mais a situação. Na avaliação de Bignami, ao longo dos últimos quatro anos os mecanismos de enfrentamento ao trabalho análogo à escravidão funcionaram "de maneira muito precária e baseada na resistência, inclusive pessoal, de diversos atores que participam dessa rede".

 

Um dos desafios do governo Lula, aponta o auditor-fiscal, será reconstruir esse arcabouço de proteção à classe trabalhadora. "Há, certamente, um trabalho de reconstrução importante a ser feito pelo atual governo, no sentido de revitalizar o combate ao trabalho escravo, refletir sobre os últimos 28 anos de combate ao trabalho escravo, aprender com os erros e acertos, e alterar aquilo que precisa ser mudado para garantir o avanço das políticas públicas de referência, as quais me parece que estão um pouco estagnadas já há alguns anos, sem qualquer aporte relevante que possa fazer a diferença no combate ao trabalho escravo", comentou.

 

CONGRESSO NACIONAL TRATA DO TEMA 

 

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Com a repercussão do caso de trabalho análogo à escravidão na Serra Gaúcha, o Legislativo recebeu pelo menos três novos projetos para coibir a prática criminosa. No Senado, Augusta Brito (PT-CE) apresentou o PL 789/2023. A proposta quer que editais de licitações públicas estabeleçam percentual mínimo de contratação de trabalhadores resgatados de situação análoga à escravidão.

 

Na Câmara, o deputado Felipe Becari (União-SP) apresentou dois projetos. O PL 777/2023 propõe a expropriação das propriedades rurais e urbanas em que forem encontrados trabalhadores em tais condições. Essa proposta preenche a lacuna da regulamentação para a Emenda Constitucional nº 81, que também prevê a possibilidade de expropriação dos imóveis flagrados com trabalhadores análogos à escravidão. Já o PL 778/2023 proíbe a concessão de empréstimos ou financiamentos com recursos públicos ou subsidiados pelo poder público para empregadores que cometem tais práticas.

 

Há outros projetos que tratam do combate à escravidão moderna no Legislativo, mas tramitam de forma lenta que, em alguns casos, chega a 20 anos. Como o PL 2668/2003, do ex-deputado Paulo Marinho (PSDB-MA), que propôs alterar o Código Penal para agravar as penas para os responsáveis pela prática criminosa.

 

Existem também os projetos que querem enfraquecer os mecanismos de combate à escravidão moderna. Como o PL 3842/12, do ex-deputado Moreira Mendes (PSD-RO), já falecido, que pretende alterar a definição do que é considerado trabalho escravo.

 

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De acordo com a legislação em vigor, estabelecida no Código Penal, é considerada condição análoga à de escravo submeter o trabalhador e trabalhadora a “trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador”.

 

O ex-deputado propôs retirar da lei os termos “jornada exaustiva” e “condições degradantes de trabalho” sob a justificativa de que são expressões subjetivas e não deixam claro quais as condutas que se enquadram nessa classificação. O PL aguarda apreciação do Plenário, caso a presidência o coloque na pauta.

 

 Há uma verdadeira enxurrada de situações de trabalho análogo à escravidão nos últimos dias, deflagrada pelo caso das vinícolas em Bento Gonçalves (RS).

 

A QUE VOCÊ ATRIBUI ESSE FENÔMENO ?

 

Renato Bignami - O caso das vinícolas em Bento Gonçalves choca pela quantidade de trabalhadores envolvidos – pouco mais de 200 pessoas - , pela gravidade da violência perpetrada contra esses trabalhadores – há narrativas de ameaças diversas, maus tratos, dívidas, engano e toda uma miríade de situações que claramente reúnem os principais indicadores de tráfico de pessoas e redução de trabalhador à condição análoga à de escravo, e, também, pela surpresa de alcançar algumas das vinícolas mais tradicionais do país que não deveriam, em hipótese alguma, estar relacionadas com toda essa violência no trabalho. Todas essas situações vêm se repetindo em várias partes com uma frequência inquietante.

 

Foto: Reprodução

A aceleração dos processos produtivos atuais que negligencia as necessidades da pessoa do trabalhador em benefício da acumulação material, a intensa fragmentação produtiva que dispersa os regimes de responsabilidade pela proteção do trabalho e reduz a capacidade de governança das empresas sobre os diversos e fragmentados locais de trabalho, o aumento da concorrência entre as empresas que as faz buscarem reduzir custos a qualquer custo, os baixos investimentos em educação do trabalhador e a fartura de mão de obra com pouca qualificação, assim como o baixo grau de vigilância das empresas que conformam determinada cadeia de fornecimento em relação às condições de trabalho umas das outras, vêm ocasionando situações de violência e precariedade no ambiente de trabalho que acabam configurando tráfico de pessoas e redução do trabalhador à condição análoga à de escravo. A pandemia só piorou esse quadro, por toda a devastação que ela causou.

 

Também podemos atribuir o fenômeno ao avanço das telecomunicações e à liberdade de imprensa. Hoje várias pessoas têm acesso a um celular com câmeras de boa resolução. Não é difícil fotografar ou mesmo filmar situações de abuso de direitos, enviar o material para os órgãos responsáveis e cobrar uma posição em relação à denúncia. Por sua vez, a imprensa livre, transparente, é capaz de mostrar para a sociedade a dimensão dos problemas que podem derivar das relações entre capital e trabalho. Dessa forma, pode haver um estoque de trabalho escravo ainda não desvelado e em virtude do cidadão comum estar melhor aparelhado hoje em dia, tanto com tecnologia quanto com conhecimentos e sensibilidade para o tema, para apresentar as denúncias e movimentar o sistema nacional de combate ao trabalho escravo.

 

Renato Bignami - O combate à escravidão contemporânea se dá em várias frentes. A sociedade internacional construiu, no decorrer dos últimos 200 anos, um sistema antiescravagista bastante sólido, que conta com diversos tratados internacionais, mecanismos de denúncia, processamento e julgamento dos casos, pesquisa e desenvolvimento de projetos de enfrentamento à escravidão contemporânea, cooperação internacional entre diversas agências tanto do sistema ONU, a exemplo da OIT, grande referência no tema, quanto OEA de proteção aos direitos humanos e os Estados membros, além, é claro, do ativismo de várias organizações da sociedade civil organizada que, seguramente, representam um dos pilares de sustentação dessa atuação global de combate à escravidão contemporânea.

 

Renato Bignami - O Brasil é signatário dos principais tratados de direitos humanos e, em particular, daqueles que buscaram pôr fim ao tráfico de pessoas e à escravização de seres humanos. Dessa forma, ao aderir ao sistema internacional de combate ao trabalho escravo o Brasil assumiu diversos compromissos que impactam tanto nas políticas públicas internas relacionadas com o tema quanto às estratégias de atuação internacional do nosso país. Em relação a esse último aspecto, os temas são tão amplos e diversos que, em última análise, envolvem até mesmo questões relacionadas com o comércio exterior, tais como a abordagem do dumping social e prevenção à concorrência desleal que pode ocorrer em virtude da busca incessante por custos reduzidos que podem implicar, em muitos casos, violações graves de direitos fundamentais no trabalho.

 

Renato Bignami - De maneira muito precária e baseada na resistência, inclusive pessoal, de diversos atores que participam dessa rede. Infelizmente, o governo anterior não foi marcado pelo apoio às questões sociais e amparo ao trabalhador. Dessa forma, foram várias imprecisões de gestão que em muitos momentos puseram em risco a rede de enfrentamento ao trabalho análogo à escravidão. Desde a desmobilização de diversos colegiados relacionados com o tema, passando pela falta de investimento no sistema nacional de combate ao trabalho escravo e tentativas sérias de desestabilizar por completo esse mesmo sistema inclusive pela alteração na definição de condição análoga à de escravo, como se mudando o nome das coisas conseguisse alterar seu conteúdo, algo até mesmo equivocado de se pensar.

 

Assim, me parece que há, certamente, um trabalho de reconstrução importante a ser feito pelo atual governo, no sentido de revitalizar o combate ao trabalho escravo, refletir sobre os últimos 28 anos de combate ao trabalho escravo, aprender com os erros e acertos, e alterar aquilo que precisa ser mudado para garantir o avanço das políticas públicas de referência, as quais me parece que estão um pouco estagnadas já há alguns anos, sem qualquer aporte relevante que possa fazer a diferença no combate ao trabalho escravo.

 

Renato Bignami - A rigor, nenhum setor econômico está inteiramente livre dos riscos de ocorrência de condições análogasàs de escravo. No entanto, historicamente, alguns setores se destacaram em atividades rurais como a pecuária, a cana de açúcar, as culturas extrativistas em geral (carnaúba, fumo, cacau, sisal, café, carvão vegetal, atividades de reflorestamento etc.), e também urbanas, tais como a indústria da moda, a construção civil, a hotelaria/restaurantes, e, recentemente, o trabalho doméstico, que vem sendo desvelado como um setor particularmente vulnerável a casos graves de violações de direitos fundamentais do trabalhador com vários registros de resgates de trabalhadoras de residências em que vinham sendo maltratadas e sonegadas nos seus direitos mais básicos e elementares.

 

É importante ressaltar, entretanto, que nem toda situação de descumprimento da legislação trabalhista pode ser considerada como de submissão de trabalhador à condição análoga à de escravo, já que, apesar de constatarmos muita precariedade no mercado de trabalho atual, as situações extremas, de violações agudas de direitos fundamentais, são, felizmente, residuais no cômputo geral das múltiplas atividades de vigilância e controle realizadas pelo Sistema Federal de Inspeção do Trabalho.

 

Renato Bignami - Atualmente, um dos principais indicadores do sistema nacional de combate ao trabalho escravo é a quantidade de trabalhadores resgatados desde que a política foi criada. Nesse contexto, correntemente, temos 60.251 trabalhadores resgatados de condições análogas às de escravo desde que a política foi criada, segundo o Radar da SIT. Em 2022 foram 2.575 trabalhadores resgatados.

 

Renato Bignami - O cidadão comum pode colaborar evitando consumir produtos que tenham sido elaborados de forma duvidosa, por empresas que não respeitem os direitos de seus trabalhadores e que não sejam transparentes quanto à sua cadeia de fornecimento, abrindo-a e divulgando quais são seus fornecedores diretos e indiretos. Além disso, o consumo consciente pode também implicar uma dose de ativismo e o próprio cidadão denunciar aqueles que insistem em não adotar a letra da lei como padrão de gestão de sua mão de obra, reduzindo trabalhadores à condição análoga à de escravo. Para aqueles que souberem de casos e quiserem denunciar, o melhor meio é o sistema Ipê, gestionado pela Secretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego. Para tanto, deixo o endereço web do Sistema Ipê, para registro e tratamento das denúncias.

 

Renato Bignami - No Brasil, criou-se, a partir de 1995, ano em que o país reconheceu a existência da prática de trabalho escravo em território nacional, um sistema nacional de combate ao trabalho escravo. Esse sistema está baseado em alguns pilares: arcabouço jurídico de proteção contra a escravização de trabalhadores e responsabilizações diversas (cível, trabalhista, penal, administrativa etc.) dos perpetradores das violações de direitos fundamentais, estrutura de Estado para o enfrentamento baseada nos grupos móveis de combate ao trabalho escravo, e proteção à vítima, realizada, primariamente, por meio dos resgates dos trabalhadores submetidos a condições análogas às de escravo.

 

Certamente, ao ser consolidado no início dos anos 2000, tratava-se de um sistema robusto e suficiente para fazer frente às questões iniciais derivadas da ocorrência de trabalho escravo em um mercado de trabalho complexo como o nosso. No entanto, é imperioso se reconhecer que há anos não há avanços no combate ao trabalho escravo no Brasil, e por diversas razões.

 

Inicialmente, é importante registrar que esse sistema passou por diversas revisões e tentativas de enfraquecimento, realizadas a partir de 2016, as quais chegaram a colocar em risco uma estrutura de Estado fundamental para a promoção de trabalho digno e a proteção do Estado Democrático de Direito. Assim, boa parte da estagnação atual em que se encontra o sistema nacional de combate ao trabalho escravo pode ser atribuída a esses ataques contra a dignidade do trabalho.

 

Em segundo lugar, há ainda uma cultura bastante substancial no âmbito da inspeção do trabalho de se atribuir responsabilidade pela submissão de trabalhador a trabalho escravo apenas ao seu empregador primário, quando, em realidade, sabemos da complexidade crescente tanto das estruturas produtivas quanto dos próprios ambientes de trabalho, fatores que demandam uma reflexão constante dos atores que fazem parte do sistema nacional de combate ao trabalho escravo para, a partir dessa reflexão, buscar ferramentas e mecanismos mais modernos e adequados de enfrentamento ao tema. Nesse contexto, toma vulto o debate sobre a proteção dos direitos humanos no âmbito empresarial, o qual ainda é bastante incipiente em nosso país, mas que precisa, urgentemente, ser abordado de forma responsável, correta e equilibrada.

 

Em terceiro lugar, é imperioso reconhecer que pouco se fez no país, inclusive, se formos analisar sob o prisma do arco histórico de 28 anos em que se vem realizando a execução de políticas públicas direcionadas para o combate ao trabalho escravo, para prevenir os casos, evitar que aconteçam, além de não conseguirmos construir um sistema sólido o suficiente de apoio às vítimas, no sentido de acolhê-las, formá-las e reinseri-las corretamente no mercado de trabalho.

 

Sempre bom recordar a lição de um dos maiores abolicionistas contemporâneos, o inglês Kevin Bales, que afirma que resgatar não é apenas retirar o trabalhador do ambiente de trabalho em que estava a sofrer violências, mas, sim, aportar plena cidadania a essa vítima, e isso demanda tempo e investimento na pessoa do trabalhador. Nesse sentido, cobram especial relevância as políticas públicas de emprego, tanto ativas quanto passivas, em que o Estado busca intervir no mercado de trabalho com vistas a não permitir a geração de postos de trabalho de baixa qualidade que possam gerar déficits substanciais de trabalho decente.

 

Assim, é fundamental que se reconheça a necessidade de se migrar de uma abordagem individualizada, focada apenas no empregador direto responsabilizado pelas condições análogas às de escravo, para um enfoque holístico, baseado na intervenção por inteiro na cadeia produtiva e não apenas no empregador direto das vítimas de trabalho escravo.

 

Essa já é uma agenda tardia que não pode mais esperar. Da mesma forma, é importante que o Brasil busque ratificar e pôr em prática algumas normas internacionais que facilitam essa guinada, tais como o Protocolo da OIT sobre o Trabalho forçado, de 2014, a Convenção da OIT número 190, sobre violência e assédio no trabalho, e a Convenção da OIT número 187, sobre o marco promocional da segurança e saúde no trabalho, matéria agora reconhecida como direito fundamental, pela OIT.

 

Por fim, é importante lembrar que apesar desses anos todos de combate ao trabalho escravo no Brasil, ainda há situações de perversidade nas relações de trabalho que merecem atenção redobrada, um olhar qualificado e a intervenção do Estado. Esse resíduo de caldo de cultura colonial precisa ser enfrentado e superado com diálogo tripartite, inteligência, paciência, correi??ão, estratégia, proporcionalidade das medidas estatais e adequação das ferramentas de enfrentamento.

 

Pela sua imensa capacidade de liderança e diálogo, o governo atual encontra-se em uma situação única em que pode, a partir da reconstrução e aprimoramento do sistema nacional de combate ao trabalho escravo, ser reconhecido como aquele que finalmente botou freio na exploração do trabalho escravo no país e contribuiu para construir um sistema robusto, moderno e internacionalmente reconhecido como padrão de excelência enquanto resposta estatal às violações aos direitos humanos cometidas no âmbito das cadeias de fornecimento.

 

Renato Bignami é Auditor-Fiscal do Trabalho desde 1996, atuando em diversas áreas relacionadas com a promoção dos direitos fundamentais no trabalho. Formado em direito e mestre em direito do trabalho pela Universidade de São Paulo, doutor em direito do trabalho e previdenciário pela Universidade Complutense de Madri, é também autor de diversos artigos e estudos sobre direito do trabalho, trabalho decente e direitos fundamentais no trabalho.

 

Professor de direito do trabalho, atuou também como Especialista em Segurança e Saúde no Trabalho junto ao Escritório Regional da OIT para América Latina e Caribe. Ocupou diversos cargos de direção e coordenação dentro do Sistema Federal de Inspeção do Trabalho. Foi fundador e coordenador do Programa Estadual de Enfrentamento ao Trabalho Escravo do Estado de São Paulo, junto à Superintendência Regional do Trabalho em São Paulo.

 

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Nesse contexto, coordenou diversas auditorias em cadeias produtivas de vários setores da economia que resultaram na liberação de milhares de trabalhadores de condições análogas às de escravo, na responsabilização de todos que contribuíram para que as violações de direitos fundamentais ocorressem e na mobilização de diversas organizações para a criação de espaços de diálogo contínuo e avanço da política em direção à erradicação do trabalho escravo de nosso país.

 

Fonte: Revista Fórum

 

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