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Mitos sobre o sono invadem as redes. Por que é tão difícil dormir bem?
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Médicos do sono alertam que não basta cuidar da dieta e exercícios e esperar que o sono bom venha; é preciso dedicar-se a uma rotina noturna focada no descanso

Como parece à primeira vista, nenhuma dessas táticas é citada por especialistas brasileiros como verdadeiro bálsamo para noites em vigília — mas faz sentido, dizem, ter uma rotina de cuidados assim como deveríamos fazer com a alimentação e o exercício físico.

 

— A vida está muito corrida, acelerada. As pessoas estão ficando do despertar ao ir dormir ligadas a máquinas. Todos nós temos um, até dois, celulares ligados, disponível o tempo todo. Chegamos a dizer, em consultório, para as pessoas deixarem os aparelhos uma hora antes de deitar e elas não conseguem. Tudo isso é contra o sono. O descanso requer a redução das ondas cerebrais, precisamos desse processo — decreta a neurologista Andrea Bacelar, diretora da Associação Brasileira do Sono.

 

A pouca qualidade de sono não figura como uma preocupação restrita a uma parcela pequena da população. Com a ressaca que (ainda) vivemos do pós-pandemia e mais a agitação crescente promovida por celulares e smartphones, especialistas veem em seu escritório que o descanso tem ficado para depois.

 

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Uma pesquisa publicada em 2022 no periódico Sleep Epidemiology calculou que quase sete em cada dez brasileiros têm má qualidade do sono (o que inclui pouca qualidade dos estágios do sono ou, por exemplo, menos horas do que o necessário na cama). Nos consultórios, há médicos que chegam a fazer uma série de exames em pacientes com queixas relacionadas ao sono e descobrem, ao fim, que tudo se tratava de um efeito do tempo extrapolado de atividades profissionais ou o uso indiscriminado dos eletrônicos.

 

Trata-se de uma má notícia. Não custa repetir que a privação a longo prazo pode estar relacionada a prejuízos de ordem emocional, como o aparecimento de quadros depressivos, além de comprometimento de capacidades metabólicas e imunológicas. É muita coisa.

 

— Nascemos com um ritmo específico biológico de sono, assim como acontece com as batidas do coração, por exemplo. Mas se não cuidarmos do sono estamos fadados ao insucesso, vamos dormir pior e ter menos qualidade de vida — afirma Danilo Anunciatto Sguillar, otorrino da BP – A Beneficência Portuguesa. — Vamos usar como exemplo a melatonina, que é nosso hormônio do sono. O ritmo endógeno (de produção) da melatonina ocorre à noite e isso só acontece quando há a redução do estímulo luminoso, seja com a chegada da noite ou pela distância dos celulares. Então, perceba, temos nosso ritmo genético (e particular) de produção da melatonina, mas ele pode ser interrompido caso a lição de casa não seja feita.

 

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Infelizmente, dizem os especialistas, não dá para “aprender” a dormir menos. Ou seja, não somos adaptáveis ao descanso insuficiente. Na falta de sono, carregamos a conta a pagar ao longo de dias, meses e anos. Claro, não está tudo arruinado por alguns dias ruins de dormida por conta de um clima muito quente ou por gripes e resfriados que nos castigam bem na hora do descanso — alguns dias de bom sono podem ajudar a remediar episódios pontuais, mas só isso. Em geral, segue aquela regra que quase todo mundo conhece, a média necessária está em volta de 7 ou 8 horas. Quem precisa menos que isso, é uma minoria.

 

— O volume de horas que cada pessoa precisa dormir normalmente está ligado ao tempo que ela leva para atingir o sono profundo. Em geral, ao longo das noites, precisamos de 20% de sono profundo e 20% de sono REM (com atividade cerebral intensa). Algumas pessoas conseguem atingir isso em menos tempo e outras precisam de 8 horas — explica Eric Thuller, médico especializado em distúrbios do sono do hospital Villa Nova Star. — Mas em geral, ao reduzir as 8 horas de sono, você terá déficit de rendimento. Mesmo que não fique sonolento, você pode ter déficit de cognição. E, se isso se prolongar, o quadro se torna crônico.

 

Uma dica para saber como identificar nosso ritmo ideal de sono, afirmam os médicos, é ficar atento sobre qual demanda de horas dormidas temos fora da rotina, ou seja, nas férias. Observar a que momento sentimos sono e quando acordamos voluntariamente é um atalho para saber o tempo necessário que nosso corpo demanda de descanso.

 

Letícia Soster, neurofisiologista do Hospital Albert Einstein, diz que não chegar às horas ideais de descanso pode desencadear um quadro específico: o jet lag social.

 

— Imagine que durante os cinco dias da semana você dorme mais tarde (do que deveria) e deve acordar cedo nos dias seguintes, por necessidade de trabalhar. Quando chegar na sexta-feira você tem uma cota negativa de horas que deveria ter dormido. Na quinta feira a pessoa foi se arrastando para o trabalho, na sexta-feira já nem aguenta mais (a rotina) — explica a médica. — No sábado, você tem tempo para dormir e aí compensa o tempo de dormir. Quando essa compensação ocorre duas horas a mais do que o sono habitual, costumamos dizer que a pessoa está em jet lag social. É como se essa pessoa vivesse um fuso horário, nos finais de semana, do que nos dias úteis.

 

Não se trata, apenas, de uma nomenclatura. O jet lag social tem como efeito os mesmos desconfortos encontrados quando se viaja para um país de fuso horário distante ao nosso. Portanto: fadiga, redução do ritmo metabólico, dificuldade para se concentrar, entre outros efeitos.

 

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Com exceção de pacientes que tenham complicações clínicas específicas, como apneia do sono e quadros severos de insônia, o ajuste do sono pode ser conquistado por meio de ações (que parecem bem simples, e são), que se seguidas com rigor diário podem trazer frutos.

 

São elas: evitar telas pelo menos uma hora antes de ir deitar, evitar luminosidade excessiva na casa ao anoitecer, fugir da cafeína com a chegada do fim do dia, evitar o álcool e fazer refeições leves, como legumes e uma proteína magra, um tempo antes de encerrar as tarefas do dia. A meditação, aos que gostam e conseguem, também pode ser uma boa aliada. Embora simples, as dicas podem surtir um efeito poderoso por justamente conduzir nosso cérebro ao ritmo de descanso.

 

O sono, explicam os médicos, figura como um exercício de se render ao descanso e não buscar ativamente outra coisa a fazer.

 

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— O sono precisa ser priorizado, com regularidade de horários para dormir e acordar. Ao notar algo de diferente, ao se perceber sempre cansado, é preciso desconfiar — diz Márcia Assis, neurologista, vice-presidente da Associação Brasileira do Sono. — Esse é um dos pilares da saúde, se há preocupação com a atividade física e com a alimentação equilibrada é preciso se preocupar também com a forma que dormimos. Essa nossa necessidade precisa ser favorecida. 

 

Fonte: O Globo

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