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14/11/2019

O flerte entre Bolsonaro e Xi

Foto: Divulgação

A aproximação de Brasil e China traz, ao mesmo tempo, motivo para alívio e preocupação

Num momento em que, mais uma vez, emperrou a negociação para pôr fim à guerra comercial entre China e Estados Unidos, coube logo ao líder chinês Xi Jinping desempenhar o papel de “liberal” na reunião dos Brics ontem em Brasília.

 

Numa crítica não tão velada à política comercial americana, Xi fez críticas duras ao protecionismo, que afirmou pôr em risco “o comércio e o investimento internacional, levando à desaceleração da economia global”.

 

Seu discurso encontrou eco na revelação, feita pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de que Brasil e China estudam criar uma área de livre-comércio. Em princípio, ela eliminaria barreiras e tarifas às trocas entre os dois países. Pode ser apenas uma declaração de efeito para conquistar as manchetes. Ou pode ser mais que isso.

 

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De cara, é preciso ressalvar que qualquer acordo comercial de tal natureza precisaria ser negociado no âmbito do Mercosul, a não ser que Bolsonaro e Guedes decidam mesmo rifar o bloco. O caso recente das tratativas com a União Europeia (UE) demonstra que pode levar décadas até a ideia ganhar um apoio mínimo na realidade. Nem a assinatura do acordo garante benefícios imediatos.

 

Mesmo assim, não deixa de ser sintomático. A China é o maior parceiro comercial brasileiro. Está prestes a ultrapassar os americanos como maior economia global (segundo algumas medidas, já ultrapassou). O Japão é outro país asiático com que as conversas para um acordo bilateral avançaram recentemente. O mundo todo se volta aos mercados asiáticos como propulsores econômicos.

 

Também não deixa de ser irônico. O governo Jair Bolsonaro não perde uma oportunidade de manifestar sua afinidade política e ideológica com os Estados Unidos de Donald Trump. Transformou a posição brasileira nos foros internacionais numa espécie de caixa de repetição da música que toca Departamento de Estado – novo batuque ouvido recentemente no voto favorável ao embargo americano contra Cuba, no veto ao uso da palavra “gênero” em documentos internacionais e na guinada em questões que vão do clima à questão palestina.

 


Apesar de tudo, a realidade se impõe. O sorriso de Bolsonaro na foto em que cumprimenta Xi é a prova eloquente de que, na hora do vamos ver, os interesses comerciais ainda se sobrepõem aos ideológicos. Foi também o que se viu na negociação com a UE, tida pelos ideólogos bolsonaro-trumpistas como Satã do “globalismo”.

 

De um lado, é uma tranquilidade saber que o interesse nacional ainda prevalece diante do besteirol. Se há alguma razão para a existência de um bloco como os Brics, é justamente reunir os maiores países do planeta – em população ou território – que não fazem parte do eixo atlântico europeu-americano. Aqueles, que tempos atrás, eram vistos como maiores “mercados emergentes”.

 

O que une China, Índia, Brasil, Rússia e África do Sul é, em virtude do tamanho, a possibilidade de apresentar uma proposta geopolítica quando não desafiadora, ao menos alternativa à hegemonia americana. Se Bolsonaro se mostra capaz de entender isso, tanto melhor.

 

De outro lado, o flerte com Xi é preocupante. Dos cinco países, é evidente que a China foi o que teve mais sucesso econômico nas últimas décadas. Ao contrário dos demais, ela já emergiu. Hoje, como demonstra a tensão em torno da guerra comercial, desafia o poderio americano por si só.


É uma ditadura de partido único, que mantém a população submissa mediante um sistema sofisticado de vigilância e censura digital, 800 mil uigures e outros muçulmanos presos em “campos de reeducação” na província de Xinjiang e uma agenda expansionista sem paralelo na história, por meio do projeto conhecido como Nova Rota da Seda. A valerem os critérios usados noutros tempos, os chineses deveriam ser tachados de “imperialistas” com mais razão que os americanos.

 

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É verdade que o livre-comércio, por mais dores localizadas que possa provocar, continua a ser o maior motor já inventado para gerar riqueza. Não há como resistir à força de atração do mercado chinês. Mas é preciso cautela. Não por qualquer fetiche com a balança comercial positiva, bobagem econômica que domina a mente do nosso empresariado protecionista como a de Trump (apesar de desmentida desde David Ricardo no século XVIII…). Mas porque ninguém sabe, nem tem hoje como saber, as consequências futuras, para o planeta e para o Brasil, do enfrentamento entre China e Estados Unidos.

 

G1

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