Bolsonaro fez a declaração em reunião interministerial de 22 de abril. Pela lei, nenhum presidente pode ter um aparato pessoal, particular, de informação.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, cobrou explicações sobre as afirmações feitas pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, de que tem um sistema próprio de informações.
"O presidente deve sérias explicações à nação sobre esse sistema paralelo de informações que diz possuir, que aparentemente tem sido usado para vazar investigações em curso sobre sua família e amigos. o uso da função pública para interesses particulares fere os princípios da impessoalidade e da moralidade", afirmou Santa Cruz.
As afirmações questionadas pela OAB foram feitas na reunão ministerial de 22 de abril. A gravação da reunião foi divulgada nesta sexta-feira (22) e faz parte do inquérito que apura supostas tentativas de Bolsonaro de interferir na Polícia Federal.
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Na reunião, o presidente não explicou ao que se referia quando falou sobre um sistema particular de inteliência. Bolsonaro disse que não iria esperar seus familiares e amigos serem prejudicados e que, antes disso, trocaria alguém da segurança "na ponta da linha", ou, se não conseguisse, trocaria o chefe ou o ministro.
"Sistemas de infomações: o meu funciona. o meu particular funciona. os ofi... que tem oficialmente, desinforma. e voltando ao ... ao tema: prefiro não ter informação do que ser desinformado por sistema de informações que eu tenho", afirmou Bolsonaro na reunião.
"Então, pessoal, muitos vão poder sair do brasil, mas não quero sair e ver a minha a irmã de eldorado, outra de cajati, o coitado do meu irmão capitão do exército de ... de ... de ... lá de miracatu se foder, porra! como é perseguido o tempo todo. aí a bosta da folha de são paulo, diz que meu irmão foi expulso dum açougue em registro, que tava comprando carne sem máscara. comprovou no papel, tava em são paulo esse dia. o dono do ... do restaurante do ... do pa ... de ... do açougue falou que ele não tava lá. e fica por isso mesmo. eu sei que é problema dele, né? mas é a putaria o tempo todo pra me atingir, mexendo com a minha família. já tentei trocar gente da segurança nossa no rio de janeiro, oficialmente, e não consegui! e isso acabou. eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. vai trocar! se não puder trocar, troca o chefe dele! não pode trocar o chefe dele? troca o ministro! e ponto final! não estamos aqui pra brincadeira", complementou o presidente.
Após a divulgação do vídeo e suas repercussões, na noite desta sexta Bolsonaro deu uma entrevista no Palácio da Alvorada e disse que, por meio de amigos policiais civis e militares no Rio de Janeiro, descobriu algo que estava "sendo armado" contra ele.
Porém, o presidente não explicou o que descobriu, nem quando e em quais circunstâncias recebeu essas informações. Bolsonaro também não disse sobre qual investigação estava se referindo.
Bolsonaro afirmou que havia possibilidade de busca e apreensão nas casas de filhos dele. De acordo com o presidente, "provas seriam plantadas" contra eles. O presidente atribuiu as supostas ameaças aos familiares ao governador do Rio, Wilson Witzel, a quem acusou de querer destruir a ele e à família.
"Sabiam do problema do governador, que queria minha cabeça a todo custo? que o objetivo dele é ser presidente da república, né? e para isso tinha que destruir a mim e à minha família. o tempo todo vivendo sob tensão. possibilidade de busca e apreensão na casa de filhos meus, onde provas seriam plantadas. levantei graças a deus tenho amigos policiais civis e policiais militares no rio de janeiro o que estava sendo armado para cima de mim. 'moro, eu não quero que me blinde. mas você tem a missão de não me deixar ser chantageado'. nunca tive sucesso para nada", disse Bolsonaro.
Após a fala do presidente, o ex-ministro Sergio Moro afirmou em uma rede social que "não cabe também ao ministro da Justiça obstruir investigações da justiça estadual, ainda que envolvam supostos crimes dos filhos do presidente".
Na publicação, Moro afirmou ainda que as únicas buscas da justiça estadual que ele conhecia "deram-se sobre um filho e um amigo em dezembro de 2019" e que não cabia a ele impedir.
A lei é clara: a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) é um orgão da Presidência da República, uma instituição de Estado, e não pode ter vinculações pessoais, nem políticas. Ou seja, nenhum presidente pode ter um aparato pessoal, particular de informação.
O professor de Direito Público da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Michael Mohallem afirma que a fala de Bolsonaro sobre um sistema paralelo de obtenção de informações traz preocupações e pode ser ilegal.
"A declaração do presidente suscita algumas preocupações: primeiro em relação a que tipo de informação tem chegado até ele. Há informações que não podem ser disponibilizadas nem mesmo para o presidente da República, como por exemplo uma investigação da Polícia Federal, um inquérito que é feito em sigilo. Portanto, se essas informações foram vazadas, foram ilegalmente repassadas para qualquer outra autoridade, inclusive o presidente da República, a gente tá falando de uma ilegalidade tanto de quem repassou, tanto daquele que, sabendo que se trata de uma informação ilegal, a recebeu e fez uso dessa informação. No caso de um presidente e, sabendo que se trata de uma informação ilegal, sigilosa, portanto não podendo ser repassada, a obrigação do presidente é não só não receber quanto apurar a eventual ilegalidade pelo repasse da informação", avaliou o jurista.
Mohallem afirma que outra preocupação é o suposto sistema particular de informação substitua sistemas oficiais. Isso porque, explica o jurista, os canais oficiais de informação do presidente têm, não só protocolos, como seus próprios sistemas de controle para que os métodos de obtenção de informação sejam sempre legais.
G1