*Por Lúcio Carril - Não. Não sou o que vulgarmente se chama de operador do direito; sou um sociólogo empenhado em defender a vida, o desenvolvimento humano e a justiça social.
Semana passada, a primeira turma do STF confirmou uma decisao do júri popular que absolveu um réu que tentou matar sua ex-mulher a facadas.
A absolvição foi baseada no reconhecimento da honra como bem jurídico. Ou seja, resgatou a esdrúxula e criminosa Legitima Defesa da Honra, uma lei do Código Penal Brasileiro de 1940.
Desde 1991 que esse monstrengo jurídico não era aceito por um júri. Mas não é por acaso que o cadáver foi exumado. Há um clima político no país para o acobertamento de criminosos e o avanço da violência contra mulheres, negros, gays e pobres.
A corroboração da suprema corte à decisão do júri foi por maioria, 3X2. Ou seja, há um outro entendimento sobre o poder do júri ser ilimitado e não passível de revisão se contrariar o preceito legal, como no caso da lei do feminicídio.
A soberania do júri não pode se sobrepor ao direito natural à vida. Na verdade, só o direito positivo para ver soberania num grupo de jurados escolhidos (sorteados) pelas partes do processo. Piora quando reconhece o júri como instrumento de soberania popular (risos).
Um corpo de jurados não pode ressuscitar um cadáver como a legítima defesa da honra e sepultar a Lei do Feminicídio. Tampouco abrir possibilidade de legitimação do assassinato de mulheres, num país onde três mulheres são assassinadas por dia, vítimas do feminicídio, e a cada dois segundos, uma mulher é agredida no país. Quase 80% dos casos, os agressores são o atual ou o ex-companheiro, que não se conformam com o fim do relacionamento.
Não defendo o punitivismo, mas a impunidade pode levar o Brasil à mais profunda barbárie. O sistema juridico existe como imposição do contrato social e das leis naturais, a fim de ordenar as relações humanas e sociais e não para justificar o crime através de uma ordem moral superior.
O STF precisar reformar no seu colegiado a decisão da primeira turma e garantir que sigamos o caminho da civilização.
**Lúcio Carril é sociólogo, ex-secretário executivo da Secretaria de Política Fundiária do Estado do Amazonas, ex-delegado federal do Ministério do Desenvolvimento Agrário e especialista em gestão e políticas públicas pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.