Por Lúcio Carril - O Brasil não será o mesmo depois dessa onda de direita, e são várias as razões.
O país terá passado pelo maior retrocesso político e social da sua história, superior às ditaduras do Estado Novo e militar. Falo porque não estou exagerando e apresento a segunda, e mais grave, causa do nosso encolhimento como nação: as máscaras caíram e caminhamos para uma divisão interna estrutural, que envolve a cultura e suas dinâmicas na constituição do caráter, da personalidade e da consciência coletiva dos seus cidadãos e cidadãs.
O Brasil estará quebrado economicamente e com os piores indicadores sociais deste lado do planeta no término de quatro anos. Será possível retomar crescimento e superar a pobreza extrema, com sua reverberação na educação, saúde e garantias no início de um outro período ? Talvez sim, mas tem estrago que não terá volta.
O problema não estará mais na política, nem na economia, mas na cultura. Aí o grande dilema para a retomada de um Brasil grandioso e próspero.
Teremos um Brasil que não mais confiará no Brasil que mora ou trabalha ao lado. Todas as vezes que se olharem o olhar será de suspeita ou de certeza do antagonismo; e não estou falando de simples intolerância, mas de valores conflituosos, profundamente diferentes. Eu olharei meu vizinho ou meu colega de trabalho ou estudo como quem vê a configuração real do racismo, do preconceito, da misoginia e da desumanidade. E ele me jogará a eterna pecha de comunista, esquerdopata, esquerda corrupta e protetora de bandidos e dos horrendos direitos humanos.
É este Brasil que estamos construindo hoje. Não que nós, a esquerda que defende os direitos políticos e sociais, estejamos plantando esta semente da duradoura e inconciliável discórdia. É que o velho sonho do poeta está sendo adormecido pela maldade de muita gente.
*"Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu."
Minha angústia repousa nesta possibilidade de deixar a poesia de lado e de também nos tornarmos uma parte deste mundo sombrio. Mas somos gente que continua fazendo da sua emoção uma forma humana de viver, já as mazelas criadas pela ignomínia não são emoções, mas reações autômatas de quem perdeu o jeito de amar.
Vejo com tristeza esta perspectiva e também vejo sua quase inevitabilidade. Eu mesmo não terei como olhar nos olhos de quem defende o assassínio de índios, negros e pobres, como quem olha nos olhos de uma criança.
É uma dura realidade.
Mas não escrevo para disseminar a desesperança. Vou continuar com o poeta nos seus artigos mais sublimes de confiança na humanidade e no amor.
É a forma que temos de resistir.
*"Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora."
* Estatutos do Homem - Thiago de Melo
*Lúcio Carril é sociólogo, ex-secretário executivo da Secretaria de Política Fundiária do Estado do Amazonas, ex-delegado federal do Ministério do Desenvolvimento Agrário e especialista em gestão e políticas públicas pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.