01 de Junho de 2024 - Ano 10
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Meio Ambiente
16/10/2023

SECA NO AMAZONAS: Rio Solimões vira deserto e indígenas adoecem bebendo água contaminada

Foto: Reprodução

Enormes bancos de areia se formaram e, com água suja em igarapé, indígenas sofrem com diarreia e vômito

O rio Solimões é uma veia central da Amazônia. Carrega ancestralidade, conecta regiões e países, dá vida a uma infinidade de comunidades tradicionais em suas margens e nas margens de afluentes e igarapés.

 

O trecho que banha a Terra Indígena Porto Praia de Baixo, na região de Tefé (AM), virou deserto. O rio caudaloso, que ditava o ritmo da comunidade, foi substituído por enormes bancos de areia a perder de vista.

 

Kokamas, tikunas e mayorunas cruzam esses bancos de areia de margem a margem, de ponta a ponta da terra indígena, em uma imagem que lembra um deserto.

 

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Em 2022, as águas do rio Solimões chegavam à Terra

IndígenaPorto Praia, na região do Médio Solimões; um ano

depois, o leito está seco  (Lalo de Almeida - 13.out.23/Folhapress)

 

A transformação é uma situação extrema: os indígenas de Porto Praia são unânimes em apontar a seca de 2023 como a pior já vista, superando os efeitos da estiagem de 2010.

 

O rio secou muito, os bancos de areia são mais extensos, os barcos ancoram cada vez mais longe, a estiagem já dura mais tempo e a expectativa é de que esse cenário de deserto continue até novembro.

 

Seca faz rio Solimões virar deserto e

indígenas sofrem com a falta de água

 

"A gente tem de tirar esses barcos daqui hoje, senão tudo vai estar atolado amanhã", dizia um dos indígenas de Porto Praia nesta sexta-feira (13), em relação a cerca de 30 barcos parados em frente à comunidade. "O rio segue descendo", diz.A Folha esteve pela primeira vez na terra indígena em 23 de agosto de 2022. Era o início da estiagem, que se mostrou severa no ano passado, mas havia um rio no lugar. "A gente ainda pescava bem em setembro", relembra um integrante da comunidade. Bancos de areia só se formaram em outubro daquele ano.

 

 

Em 2023, o cenário encontrado é outro —e a transformação tem contornos dramáticos. O rio secou em setembro, e os níveis de água diminuem a cada dia, sem previsão de fim.

 

Em 2022, chegar ao território foi simples: 30 minutos de barco de Tefé à escada de acesso à comunidade. Agora, os barcos só chegam a dois quilômetros da aldeia. É preciso percorrer a pé a margem enlameada do rio. Outro percurso possível é pelos bancos de areia, contornando poças de água que resistem à estiagem."É tudo muito triste. Não tem como sair para pescar, ou levar nossos produtos para vender na cidade", afirma o cacique Amilton Braz da Silva Kokama, 52. As mais de 100 famílias do território produzem principalmente farinha e banana.

 

O indígena kokama Sebastião Penha carrega o motor de

sua canoanas costas até a comunidade de Porto Praia,

em Tefé (Fotos: Lalo de Almeida/Folhapress)

 

Os indígenas improvisam pequenas dragagens, tentando abrir caminho para a água e para os barcos. Funciona muito pouco. A cada dia, há menos água.

 

O deserto que se formou é cruzado por quem insiste na pesca num lago após a margem oposta. Ou por carregadores de produtos da cidade e de motores dos barcos deixados a quilômetros da comunidade. O medo é de que os motores sejam roubados por piratas, comuns no médio Solimões. Eles seguem atuando mesmo na estiagem severa.

 

A reportagem esteve em Porto Praia em 2022 para uma série sobre terras indígenas não demarcadas, como é o caso do território. Os indígenas fizeram uma autodemarcação, como forma de proteção contra invasores, especialmente madeireiros e pescadores ilegais, e montaram uma guarda para vigiar e combater a atuação de piratas no Solimões.Pouco mais de um ano depois, a conversão de um rio em deserto alterou a escala de preocupações na comunidade.

 

"A mortandade de peixes foi enorme, como não ocorreu na seca de 2010", diz o cacique. "Aqui não ‘fechava’ assim. Ficavam uns poços mais profundos."

 

Um poço artesiano garante o consumo de água pelas famílias. Porto Praia insiste em contornar o isolamento: os indígenas tentam acessar lagos para pesca e a cidade de Tefé, onde vendem seus produtos. O rio segue em vazante, um indicativo de que a seca ainda vai avançar nesse ponto do Solimões.

 

A realidade na aldeia Nova Esperança do Arauiri, da Terra Indígena Boará/Boarazinho, também é de isolamento —o igarapé Paranã do Arauiri virou um estreito curso d’água, com água parada, aquecida, enlameada e fétida. As embarcações não alcançam mais o Solimões. Para chegar à aldeia é preciso percorrer dois quilômetros por uma trilha improvisada diante da sequidão do igarapé.

 

Nova Esperança vive um crônico problema de falta d’água. Até um mês atrás, a comunidade não tinha alternativa senão usar a água barrenta do igarapé. O resultado foi uma "pandemia" —palavra usada pelo cacique Cláudio Cavalcante, 44— de diarreia, vômito, febre e dor de estômago, especialmente entre as crianças.A instalação de placas solares no mês passado permitiu o bombeamento de água de um lago próximo, mas a qualidade segue ruim. Segundo o cacique, não houve capacitação para que as famílias pudessem tratar e filtrar a água, que também é captada das esparsas chuvas na estiagem.

 

 

As casas flutuantes do rio Solimões ainda boiavam no

anopassado, mas este ano estão encalhadas em

frente àcidade de Tefé (Fotos: Lalo de

Almeida - 12.out.23/Folhapress)

 

Os problemas de saúde decorrentes do consumo dessa água prosseguem. Quando a reportagem esteve na comunidade, quatro pessoas estavam doentes, com diarreia. Procurados, a prefeitura de Tefé e a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) não responderam até a publicação desta reportagem.

 

O governo do Amazonas, em nota, afirma que já foi feito levantamento das necessidades das populações indígenas afetadas pela estiagem e que, nesta semana, terá início a entrega de cestas básicas e água mineral para comunidades que vivem em terras ainda não homólogas.

 

"O governo ressalta que a responsabilidade na prestação de assistência imediata aos indígenas da TI Boará e TI Porto Praia é de competência do Governo Federal, uma vez que se trata de territórios já homologados, sendo necessárias tratativas com a coordenação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), para atuação de entes de outras esferas, como estadual e municipal, nessas localidades", disse, em nota, o governo do Amazonas. A Defesa Civil levou água potável às 17 famílias kokamas de Nova Esperança, mas em quantidade insuficiente.

 

"Com urgência, a gente precisa de água, de capacitação para o tratamento e de medicamentos para diarreia, infecção intestinal e vômito", diz Cavalcante. O cacique prevê uma seca ainda mais prolongada: o rio só estará navegável no fim de novembro. "A seca de 2010 não foi tão difícil como essa. Com certeza esta é a pior que já tivemos aqui dentro."

 

O encolhimento do igarapé impede o transporte até Tefé do milho, da banana e da melancia cultivados pelos indígenas. "O sol foi tão quente nessa região que atrapalhou a plantação. Secou a plantação de melancia", afirma Cavalcante.

 

Sem água para beber, foi necessário paralisar as aulas das crianças. Nada é mais urgente na aldeia do que a busca por uma solução para que as famílias tenham água potável durante o prolongamento da seca.

 

Seca faz rios desaparecerem na Amazônia

e isola comunidades (Fotos: Lalo de 

Almeida - 12.out.23/Folhapress)

 

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"A gente sofre com a ‘pandemia’ dessas doenças todo ano. Mas este ano foi pior, já começou em agosto", diz o cacique. "A gente não consegue tratar a água." 

 

Fonte:Folha de São Paulo

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