22 de Maio de 2024 - Ano 10
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Ciência e Tecnologia
21/04/2024

Sem regulação, empresas coletam dados de ondas cerebrais e já 'leem' nossa mente. Entenda o que está em jogo

Foto: Reprodução

Informações sensíveis das pessoas vem sendo coletadas, compartilhadas e até vendidas a terceiros. Nos EUA, Colorado aprovou primeira lei que tenta garantir privacidade

Os consumidores se acostumaram com a perspectiva de que seus dados pessoais, como endereços de e-mail, contatos sociais, histórico de navegação e ascendência genética, estão sendo coletados e, muitas vezes, revendidos pelos aplicativos e serviços digitais que costumam utilizar. Só que, com o advento das neurotecnologias de consumo, os dados coletados estão se tornando cada vez mais íntimos.

 

Uma faixa de cabeça funciona como um treinador pessoal de meditação, monitorando a atividade cerebral do usuário. Outra tem o objetivo de ajudar a tratar a ansiedade e os sintomas da depressão. Outra lê e interpreta os sinais cerebrais enquanto o usuário percorre os aplicativos de namoro, presumivelmente para oferecer melhores combinações. Ouvir o coração não é suficiente, diz um fabricante em seu site.

 

As empresas por trás dessas tecnologias têm acesso aos registros da atividade cerebral dos usuários — os sinais elétricos subjacentes aos nossos pensamentos, sentimentos e intenções.

 

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Esta semana, o governador do Colorado, Jared Polis, assinou um projeto de lei que, pela primeira vez nos Estados Unidos, tenta garantir que esses dados permaneçam realmente privados.

 

A nova lei, aprovada por 61 votos a um na Câmara do Colorado e por 34 votos a 0 no Senado, amplia a definição de "dados confidenciais" na atual lei de privacidade pessoal do estado para incluir dados biológicos e "neurais" gerados pelo cérebro, pela medula espinhal e pela rede de nervos que transmite mensagens por todo o corpo.

 

— Tudo o que somos está dentro de nossa mente. O que pensamos e sentimos, e a capacidade de decodificar isso do cérebro humano, não poderia ser mais intrusivo ou pessoal para nós — disse Jared Genser, conselheiro geral e cofundador da Neurorights Foundation, um grupo científico que defendeu a aprovação do projeto de lei.

 

— Estamos muito animados com a assinatura de um projeto de lei que protegerá os dados biológicos e neurológicos das pessoas— disse a deputada democrata Cathy Kipp, que apresentou o projeto.

 

O senador Mark Baisley, um republicano que patrocinou o projeto de lei no Senado, disse:

 

— Estou me sentindo muito bem com o fato de o Colorado estar liderando o caminho para tratar desse assunto e dar a ele as devidas proteções para a singularidade da privacidade das pessoas. Estou muito satisfeito com essa assinatura.

 

A lei visa às tecnologias cerebrais em nível de consumidor. Diferentemente dos dados confidenciais de pacientes obtidos de dispositivos médicos em ambientes clínicos, que são protegidos pela lei federal de saúde, os dados relacionados às neurotecnologias de consumo não são regulamentados, explicou Genser.

 

Essa brecha significa que as empresas podem coletar grandes quantidades de dados cerebrais altamente confidenciais, às vezes por um número não especificado de anos, e compartilhar ou vender as informações a terceiros.

 

Os apoiadores do projeto de lei expressaram sua preocupação com o fato de que os dados neurais poderiam ser usados para decodificar os pensamentos e sentimentos de uma pessoa ou para saber fatos sensíveis sobre a saúde mental de um indivíduo, como, por exemplo, se alguém tem epilepsia.

 

— Nunca vimos nada com esse poder antes — identificar, codificar pessoas e preconceitos contra pessoas com base em suas ondas cerebrais e outras informações neurais — afirmou Sean Pauzauskie, membro da diretoria da Sociedade Médica do Colorado, que chamou a atenção de Kipp para a questão.

 

Pauzauskie foi recentemente contratado pela Neurorights Foundation como diretor médico.

 

A nova lei estende aos dados biológicos e neurais as mesmas proteções concedidas pela Lei de Privacidade do Colorado a impressões digitais, imagens faciais e outros dados biométricos confidenciais.

 

Entre outras proteções, os consumidores têm o direito de acessar, excluir e corrigir seus dados, bem como de recusar a venda ou o uso dos dados para publicidade direcionada. As empresas, por sua vez, enfrentam regulamentações rigorosas sobre como lidam com esses dados e devem divulgar os tipos de dados que coletam e seus planos para eles.

 

— Os indivíduos devem poder controlar para onde vão essas informações - aquelas informações pessoalmente identificáveis e talvez até mesmo pessoalmente preditivas— disse Baisley.

 

Os especialistas dizem que o setor de neurotecnologia está pronto para se expandir à medida que as principais empresas de tecnologia, como Meta, Apple e Snapchat, se envolverem.

 

— Ele está se movendo rapidamente, mas está prestes a crescer exponencialmente — disse Nita Farahany, professora de direito e filosofia da Duke University.

 

EMPRESA DE MUSK CHAMA ATENÇÃO


De 2019 a 2020, os investimentos em empresas de neurotecnologia aumentaram cerca de 60% em todo o mundo e, em 2021, chegaram a cerca de US$ 30 bilhões, de acordo com uma análise de mercado.

 

O setor chamou a atenção em janeiro, quando Elon Musk anunciou na plataforma de mídia social X, ex-Twitter, que uma interface cérebro-computador fabricada pela Neuralink, uma de suas empresas, havia sido implantada em uma pessoa pela primeira vez. Desde então, Musk disse que o paciente se recuperou totalmente e agora é capaz de controlar um mouse apenas com seus pensamentos e jogar xadrez on-line.

 

Embora assustadoramente distópicas, algumas tecnologias cerebrais levaram a tratamentos inovadores. Em 2022, um homem completamente paralisado conseguiu se comunicar usando um computador simplesmente imaginando seus olhos se movendo. E no ano passado, os cientistas conseguiram traduzir a atividade cerebral de uma mulher paralisada e transmitir sua fala e expressões faciais por meio de um avatar em uma tela de computador.

 

— As coisas que as pessoas podem fazer com essa tecnologia são ótimas. Mas achamos que deve haver algumas proteções para as pessoas que não pretendem ter seus pensamentos lidos e seus dados biológicos usados. - disse Kipp.

 

Isso já está acontecendo, de acordo com um relatório de 100 páginas publicado na quarta-feira pela Neurorights Foundation. O relatório analisou 30 empresas de neurotecnologia para consumidores a fim de verificar como suas políticas de privacidade e contratos de usuário se enquadravam nos padrões internacionais de privacidade.

 

Descobriu-se que apenas uma empresa restringiu o acesso aos dados neurais de uma pessoa de forma significativa e que quase dois terços poderiam, em determinadas circunstâncias, compartilhar dados com terceiros. Duas empresas deram a entender que já vendiam esses dados.

 

— A necessidade de proteger os dados neurais não é um problema de amanhã — é um problema de hoje — disse Genser, que estava entre os autores do relatório.

 

OPOSIÇÃO DAS UNIVERSIDADES


O novo projeto de lei do Colorado ganhou um apoio bipartidário retumbante, mas enfrentou uma oposição externa feroz, disse Baisley, especialmente das universidades privadas.

 

Em depoimento perante um comitê do Senado, John Seward, diretor de conformidade de pesquisa da Universidade de Denver, uma universidade privada de pesquisa, observou que as universidades públicas estavam isentas da Lei de Privacidade do Colorado de 2021.

 

Segundo afirmou, a nova lei coloca as instituições privadas em desvantagem, porque elas serão limitadas em sua capacidade de treinar estudantes que usam "as ferramentas do comércio em diagnósticos e pesquisas neurais" puramente para fins de pesquisa e ensino.

 

— O campo de jogo não é igual — testemunhou Seward.

 

O projeto de lei do Colorado é o primeiro do gênero a ser assinado como lei nos Estados Unidos, mas Minnesota e Califórnia estão pressionando por uma legislação semelhante. Na terça-feira, o Comitê Judiciário do Senado da Califórnia aprovou por unanimidade um projeto de lei que define dados neurais como "informações pessoais confidenciais".

 

Vários países, incluindo Chile, Brasil, Espanha, México e Uruguai, já consagraram proteções sobre dados relacionados ao cérebro em suas constituições estaduais ou nacionais ou tomaram medidas para fazê-lo.

 

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Gesner afirma que, a longo prazo, ''gostaríamos de ver padrões globais desenvolvidos", por exemplo, estendendo os tratados internacionais de direitos humanos existentes para proteger os dados neurais.
 

Fonte: O Globo

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